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Mostrando postagens de 2015

No carnaval de São João del-Rei 2016, mais uma vez. "o samba agoniza mas não morre".

Será o samba como um pássaro mitológico, que quase sempre voa alto e gorjeia soberano, mas de vez em quando murcha as asas, perde as penas, apaga o brilho, engole em seco, cai o bico e cochila sem ânimo nos recantos mais sombrios? Em São João del-Rei, cada vez mais tem sido assim. Antigamente, carnaval era magia, alegria, fantasia. Subverter a ordem e a rotina com um reino imaginário de beleza, realeza, cor, soberania de três dias em que esquecia a monotonia cinzenta do dia a dia. Mal acabava a festa de São Sebastião, no dia 20 de janeiro, carnavalescos, compositores, desenhistas, figurinistas, costureiras, artesãos - todos davam asas à imaginação e, em pensamento e ação, já começavam a gestação do que alegraria os são-joanenses na semana que antecedia a famosa Terça-feira Gorda. Durante muito tempo foi assim. Há mais de cem anos, corsos, cordões, Zés-Pereiras, desfiles de automóveis enfeitados, Club XPTO, Bloco do Boi, Lua Nova, Príncipe da Lua, Custa Mas Vae, Bate Paus - muit

São João del-Rei. Dentro do tempo tem Tempo. Do colonial ao barroco digital

Não é raro, aqui, ali e acolá, encontrar são-joanenses chorando pelo leite derramado. Desqualificando gratuitamente a cidade como patrimônio da cultura brasileira, pelo que se perdeu de sua paisagem urbana colonial e imperial. Mas também tem gente séria, sábia e comprometida refletindo produtivamente sobre esta situação. É verdade, muito se perdeu, e a responsabilidade começa com o Estado, que não foi competente o bastante para agir, tanto com medidas protetoras quanto com ações convictas e enérgicas para impedir - e no que fosse possível e adequado reparar - demolições e descaracterizações. Mas a comunidade também tem grande parcela de culpa. Ignorante do valor da tão vasta riqueza histórico-patrimonial que era de sua propriedade, deixou-se enganar pelo canto da sereia da então modernidade do século XX, não zelou e destruiu muitas edificações que eram tão valiosas. O mundo evolui, as cidades crescem, surgem novas necessidades urbanas e humanas e, se de lado nenhum vier intelig

O enigmático, misterioso e encantador aniversário dos cemitérios de São João del-Rei

Alguém já ouviu falar que cemitério faz e celebra aniversário? Pois é, em São João del-Rei isto acontece. O que é popularmente conhecido pelos são-joanenses mais ligados às tradições litúrgicas coloniais como aniversário do cemitério é a cerimônia que a igreja local denomina Missas Aniversárias dos Cemitérios. Esta celebração, que se repete sete vezes em diferentes dias, consiste em uma Missa de Réquiem, ofício de responsórios e marchas fúnebres, executados pelas bicentenárias orquestras Lira Sanjoanense ou Ribeiro Bastos. O repertório é composto por obras de compositores são-joanenses dos séculos XIX e XX, destacadamente o padre José Maria Xavier, Luiz Baptista Lopes, Emídio Machado, João Feliciano de Souza, Pedro de Souza, Benigno Parreira e Geraldo Barbosa de Souza. Após esta missa, na igreja que é sede da Irmandade homenageada, os "irmãos" saem em procissão até o cemitério da referida Irmandade, onde o padre faz orações fúnebres, abençoa os presentes e pede a Deu

Um rosário de flores, graças e favores para o povo de São João del-Rei

Em São João del-Rei, o mês de outubro não poderia terminar de um modo que não fosse celestial. Com uma majestosa procissão, que nos remonta a 1708, quando nesta terra foi fundada a primeira Irmandade Nossa Senhora do Rosário de Minas Gerais. Entre os historiadores que se debruçam sobre o culto a Nossa Senhora do Rosário no Brasil, no século XVIII, existe uma dúvida se a irmandade são-joanense é a segunda ou a terceira mais antiga do país. Como é tradição na cidade, desde o cedo o sino do Rosário de tempos em tempos dobra festivo, anunciando que é um dia especial. Na missa cantada, a música fica por conta da Orquestra Lira Sanjoanense - a mais antiga das Américas em ininterrupta atividade desde a sua fundação, em 1776. Barroquíssima ao extremo, a imagem da madona encanta. Generosa, sublime, materna, acolhedora, terna, solidária, complacente, cordiosa, divina, diáfana, humana e até mesmo idílica. Tudo isto, olho a olho, ela transmite aos devotos que vão visitá-la. A igreja do Ro

Ora iê iê ô, Oxum! Ora iê iê ô, São João del-Rei!

São João del-Rei nasceu do ouro. Foi este metal dourado que - assim como a Estrela Guia levou os Reis Magos até a gruta de Belém - atraiu os bandeirantes, os aventureiros, os forasteiros e o poder português, fazendo brotar aqui o Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes. Aqui o ouro foi esplendor que reluz até hoje... Se o ouro foi a semente fértil do velho Arraial, São João del-Rei é, também, filha de Oxum - yabá das mais belas e nobres das religiões brasileiras de matriz africana. Oxum é a essência feminina em sua forma mais delicada, encantadora, amorosa, maternal. Rainha, é dona do ouro e de tudo o que é dourado. Mulher, é mãe da infância e da doçura. Natureza, vive na água doce que cai em cascatas e cachoeiras. Etérea, é senhora do dia e da noite de astros brilhantes. Talvez por desconhecimento deste laço original e pelos rumos que historicamente tomou a presença negra nesta região, em São João del-Rei não se realizam homenagens coletivas a Oxum. Seu cul

Novos tempos, novas mulas sem cabeça assombram São João del-Rei

Uma rua estreita, sinuosa, com subida e descida, no centro da cidade, tendo na metade uma pedreira angulosa e no alto dela um cruzeiro bicentenário, erguido no tempo em que mulas sem cabeça corriam noturnas a horas ermas e mortas, aterrorizando a todos com suas línguas de fogo. Talvez, superando interrupções, uma continuidade da Rua Santo Antônio – caminho dos bandeirantes, escravos, libertos e aventureiros, no alvorecer do século XVIII, atravessando a Vila de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes rumo à Rua do Fogo e à Rua do Barro Vermelho. Paralelo a uma ponta da avenida principal, o lugar foi batizado com um nome estranho, que os índios tupis falavam para referir-se a uma árvore de grandes e polpudas vagens. No seu começo, tem um alto muro de arrimo de pedras aparentes que em certas épocas do ano mais parece uma cascata de samambaias, musgos e liquens. No seu final, uma cruz alta, fina e simples, fincada em uma pequena pedra, sem os estigmas mas com a tabuleta J.N.R.

Parodiando Carlos Drummond, São João del-Rei é apenas um retrato na parede?

Há décadas atrás era comum em São João del-Rei pensar que o moderno era inimigo do antigo. Que as novidades tinham vindo e se alastravam para apagar todas as marcas do passado. Mesmo falso, este pensamento refletia uma visão simplista da evolução da história local, no caso específico da arquitetura são-joanense, que das casas de pau-a-pique, cobertas com capim, do Arraial Velho de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes, até os sobradões imperiais e os edifícios art noveau , não foram poucas as vezes em que a mais nova custava o sacrifício da mais velha. Se por um lado isto deu à cidade uma face bastante heterogênea e diversificada na paisagem de sua arquitetura, por outro é como se fosse uma história contada em capítulos, cada um falando de seu tempo, por meio de fachadas, sacadas, volumes, ferragens, estuques, cancelas e aldabras. Pena que cada novo capítulo era escrito apagando partes dos capítulos anteriores Hoje sabe-se que o moderno pode, deve e quase sempre é amigo do antig

Valei-nos Nossa Senhora do Rosário! Sorri com bondade para os congadeiros de São João del-Rei

Mesmo ficando meio à margem da cultura oficial são-joanense, algo como o primo pobre das nobres tradições coloniais, o congado, ou congada, como alguns preferem, é uma manifestação cultural forte em nossa região, principalmente nos bairros mais afastados e nos distritos de São João del-Rei. Não se precisa de nenhum esforço para entender porque isto acontece: basta relembrar a condição social do povo que introduziu este produto cultural na região: negros africanos, escravizados, que viviam à margem do sistema político-social. Na economia eram apenas a força bruta; para a religião vigente, no começo havia dúvida se sequer tinham alma. Ainda hoje ainda não são os negros são-joanenses que possuem visibilidade destacada na sociedade local que compõem os grupos de congado. Congado exige alma negra, exige fé autêntica e natural, exige crença, convicção e coragem. Se não for assim é folclore, folguedo, espetáculo e diversão. Mesmo que não se dimensione, a região de São João del-Rei tem

Nossa Senhora do Pilar e seu coração de ouro, batendo dourado no peito de São João del-Rei

São João del-Rei, 12 de outubro.  Em 2015, pouco depois das seis da manhã, todos os sinos já dobram em conjunto. Começam, em matinada, o concerto sonoro da alvorada de Nossa Senhora do Pilar - padroeira e madrinha da cidade, irmã da espanhola Zaragoza, onde a Virgem apareceu ao apóstolo São Tiago. Toques de sino o dia inteiro, alfaias, velas, cortinas vaporosas, chuvas de flores, aromas, tapetes de pétalas e areia colorida, música da Orquestra Lira Sanjoanense, foguetes, banda de música, fogos de artifício. São João del-Rei é vida, fé e festa no dia 12 de outubro. Hoje menos do que antes, antigamente São João del-Rei era ainda mais festiva no dia 12 de outubro. Em homenagem a Nossa Senhora Aparecida, Rainha e Padroeira do Brasil, ao meio dia todas as casas - principalmente as mais humildes, dos recantos, bairros periféricos, dos altos e encostas - soltavam uma artilharia de foguetes, em meio a velas acesas, incenso em brasa e a voz da Rádio Aparecida do Norte, bradando a imacula

As coisas boas de São João del-Rei 10 - Barteliê: o que você não espera, ali espera por você!

Em São João del-Rei tem uma via que começa no século XVIII e leva gente, jovem e sorridente, do século presente,  aos anos setenta do século que ficou para trás. Tudo atravessando as três portas do Barteliê. Assim como o nome é uma mistura inusitada das palavras Bar e Ateliê, a proposta artístico-etílico-gastronômico-musical também é ousada: um bar fundido com uma galeria de arte e artesanato, onde se ouve a música que ninguém espera. Jazz, blues, mpb, chorinho, samba, clássicos, grandes nomes, inéditos, desconhecidos, alternativos, música autoral. Tudo cabe no Barteliê. Bob Dylan, Janis Joplin, James Taylor, Joan Baez, Beatles, Egberto Gismonti, Sivuca, Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Tropicália, Clube da Esquina, Samba, Forró: Tudo a seu dia se ouve no Barteliê. Melhor dizendo, tudo à sua noite, pois o bar sempre abre quando o sol se esconde. Aquela rua, outrora, foi mal-afamada, mal-dita, de tanto que nela moravam o prazer, a alegria e a diversão, amamentados por mulheres

Setembro: um mês inteiro de festa, fé e flor em São João del-Rei

Mesmo que não se explicite, setembro é um dos meses mais ricos da cultura religiosa barroca de São João del-Rei. Desde o dia primeiro até o dia 30, são 44 atividades, entre novenas, ofícios, tríduos e procissões, divididas em oito grandes grupos:  Bom Jesus dos Montes, Bom Jesus de Matosinhos, Bom Jesus do Perdão, Santa Cruz e Nossa Senhora das Dores, as Chagas de São Francisco, Nossa Senhora das Mercês, São Miguel Arcanjo e morte de São Francisco. Programação tão vasta envolve as paróquias do Pilar (Matriz e Mercês), de São Francisco, do Senhor dos Montes e de Matosinhos, o que possibilita que muitas vezes dois ou três eventos sejam realizados no mesmo dia, O espírito barroco é tão presente na alma do povo são-joanense que, vencendo os desafios de uma modernidade pasteurizadora e sufocante, as celebrações não perdem força nem desbotam sua importância. Pelo contrário, cada ano mais elas reluzem esplendor, resgatando em tradição a grandeza, o brilho e a fé de tempos passados. E

São Raimundo Nonato. O santo que nasceu depois da morte em São João del-Rei

Se depender dos santos que são cultuados na cidade, os são-joanenses já moram no céu. Por todo lado se vê santos e anjos, alguns ostentando símbolos e insígnias, outros orando, cantando ou voando - todos sentenciando que o destino e a morada do homem é a felicidade. Sem dúvida, é um número sem fim de devoções e seu culto ocupa praticamente todos os dias do ano, mas com o passar do tempo, muito está se perdendo. É mais fácil dizer que isto é culpa da televisão, da internet e de outras modernidades, mas a verdade é que este esgarçamento da memória muito se deve a um certo comodismo e desmazelo cultural e religioso dos pais, que não transmitem tanto aos filhos a força, a beleza, o significado, a importância e a riqueza destas tradições que são singulares, únicas mesmo de nossa cidade. Uma destas devoções hoje bastante fragilizadas é a de São Raimundo Nonato, cuja data celebrativa de suas virtudes é 31 de agosto. Um dos escudeiros de Nossa Senhora das Mercês, é protetor dos aflitos

Em São João del-Rei, a cultura popular vai para o bar. E não quer mais sair de lá!

Diferentemente da cultura erudita, que se pratica e se conserva em espaços consagrados, a cultura popular vive na rua, é do mundo. Mesmo quando não está a céu aberto, sua proteção pode ser o telhado de uma igreja humilde, de uma casa de gente simples, da lona de um circo ou de uma barraquinha de quermesse. Até o mercado e o bar servem de teto para a cultura popular. Em São João del-Rei, apesar da modernidade que tomou conta dos espaços de convivência mais desfrutados pelos homens, em alguns bares, antigamente chamados botequins,  ainda se encontra o ambiente simples, mas culturalmente muito rico, de outros tempos. Tudo autêntico: uma imagem ou um quadro do santo protetor daquela casa, mais comumente os guerreiros São Jorge e São Miguel, ou das muitas invocações de Nossa Senhora, principalmente a de Aparecida, a das Mercês e a do Carmo, resgatando as almas que queimam em chamas ardentes. Santo católico não bebe, não come, mas em compensação sua presença não ocupa espaço nem faz

Letras de amor e dor, em bico de beija-flor. O coração do navegante negro em São João del-Rei

Letras do tempo, escritas com lágrima e dor nas páginas obscuras, sombrias e esquecidas da história do Brasil cochilam sossegadas, longe dos olhos e da memória, guardadas em algum lugar de São João del-Rei. Uma fita ondulante, erguida no bico de dois beija-flores,  mais parece uma pauta musical. Nela, as notas são quatro letras que escrevem, acentuada, a palavra Amôr. Logo abaixo, um coração flamejante, apunhalado e sangrante, tem ao lado ramos de flores humildes, um passarinho triste e uma borboleta quase sem vontade de voar. Tudo no centro de uma pequena toalha de algodão branco, hoje amarelado pelo passar dos longos dias e dos anos lentos e distantes. - Mas o que é que esse pano, esse bordado, tem de tão importante para almejar estar guardado em museu? - Ora, esta toalha é uma página da história. Aqui anda meio jogada, desprezada, mas se outros lugares soubessem dela, certamente seria muito disputada... - Quem bordou isto, com linhas tortas tão sem vida e pontos tão des

Em São João del-Rei, Mãe do Ouro fez estrela virar pepita e dragão virar serpente no fundo Rio Jordão

Quem anda por São João del-Rei se encanta com a paisagem urbana. Seus casarios, suas pontes, seus largos, seus jardins, suas escadarias, balaústres e monumentos. Se encanta com a paisagem religiosa. Suas procissões, suas novenas, seus ritos, seus ofícios, responsórios, antífonas, Te Deum's. Suas igrejas, seus anjos, seus santos, suas portadas e suas torres. Se encanta com sua paisagem sonora. Seus toques de sino, dobres, tencões, terentenas, tens-tens, floreados, repicados, canjica queimou. Seus sons de orquestra, violinos, violas, bombardinos, trompetes, trompas, trombones, flautas, vozes. Seus toques de banda, dobrados, marchas. Seus apitos do trem, das fábricas, com o estrelamento ruidoso e brilhante de seus foguetórios... - Mas e a paisagem humana de São João del-Rei, o que ela nos mostra? - Ora, muito mais do que a gente imagina! A paisagem humana de São João del-Rei é feita de tempo, de sonho, imaginação e sentimento. Ela está em toda parte. O tempo todo. É só

Salve a coroa do "Rei do Mundo" em São João del-Rei! Atotô, Obaluaiê!

Agosto, em São João del-Rei era um mês de grande apreensão. Céu de tempo revolto, de neblina ainda pela manhã, de nuvens em agitado movimento, o vento correndo frio e raivoso, varrendo em redemoinho folhas no chão, sacudindo com força as roupas nos varais, espalhando viroses... Para muitos, agosto é mês de cachorro “zangado”, como se dizia antigamente dos cães contaminados pela raiva. Em uma era em que tudo era tranquilo e o mundo girava devagar, o oitavo mês do ano era também temido pela quantidade de acidentes que aconteciam naquele período, marcado pelo dia de São Bartolomeu, festejado em 24 de agosto. São Bartolomeu é  “santo bravo”; tão bravo que na noite de São Bartolomeu, no ano de 1572, praticou-se canibalismo nas cidades francesas de Lyon e Auxerre,  inclusive com venda de gordura, fígado e coração humanos. As vísceras eram assadas em braseiros, no meio das praças, conta Frei Beto, citando Jean de Léry. O sincretismo religioso afrobrasileiro associou São Bartolomeu

Tesouros vivos de São João del-Rei - Ulisses Passarelli: garimpeiro de congadas e folias!

Na história de São João del-Rei, ouro é o que não falta. Ouro, do mais puro e mais reluzente, outrora catado em meio a raízes de capim, colhido em bateias, faiscado em veios de profundas betas e subterrâneas galerias. Dele brotaram altares de ouro, anjos de ouro, amuletos de ouro, alianças de ouro, corações de ouro, crucifixos de ouro, correntes de ouro... Metal cobiçado, há muito tempo este ouro esgotou-se das encostas são-joanenses. Mas daqueles tempos distantes e para sempre, existe outra riqueza viva e inesgotável nesta terra em que os sinos falam, mais brilhante e valiosa do que o ouro de outrora, que alimentou violências, ganâncias e castigos e emoldurou barrocos ideais. Esta outra riqueza é tão grande, tão vibrante e tão intensa que não pode ser congelada em templos nem em museus. Ela pulsa, corre no sangue, anima a fé e várias crenças, impulsiona, dá ritmo, resgata, recria e perpetua cantos, danças, ritos, rezas, orações, preces, mandingas, festejos. Em termos humanos mais

Dia do Sineiro fará bater ainda mais sonoro e feliz o coração de São João del-Rei

Ninguém duvida: os sinos são um dos mais importantes, consagrados, conhecidos e reconhecidos símbolos de São João del-Rei. Não precisa nem olhar para o alto nem estar perto de alguma igreja do centro histórico para perceber. Eles falam por si.Todo dia - uns mais outros menos - toda hora, sua metade e quartos, eles estão ali, marcando o tempo e as eras, tocando, dobrando, mandando mensagens, quase todas falando de Deus. Alguns, toques alegres, entusiasmados, festivos, outros, dobres dolentes, reflexivos, pungentes, tristes, fúnebres. Chamadas para missas, momento do glória e da consagração, aviso de novena, saída, passagem e chegada de procissão, Te Deum, ofícios e funções litúrgicas especiais. Falecimentos. Enterros. Em São João del-Rei nada acontece sem a presença e a voz do sino. Até o Carnaval, quando várias vezes ele chama para as Quarenta Horas de Adoração ao Santíssimo Sacramento e avisa, às nove da noite da Terça-Feira Gorda, que dentro de três horas a Quarta-Feira de Cinza

Padre Pedro Teixeira se foi. Ficou na estrela vespertina, no céu de São João del-Rei

Sem nenhuma alegria, desde ontem os sinos de São João del-Rei estão dobrando contrariados. Dobram para dentro de si mesmos, no intuito de desmentir a triste notícia que são fadados a espalhar: Padre Pedro Teixeira foi-se embora deste mundo. Triste junho. Do Coração de Jesus traspassado pela lança do centurião hoje não escorre um fio de água e sangue. Escorre uma única lágrima. Discreta, humilde e silenciosa. Jesus é piedoso e complascente e sente a saudade que os são-joanenses sentirão de Padre Pedro: o mensageiro da Eucaristia, que, durante muitas décadas, toda manhã, com sua batina preta, ia a pé de casa em casa visitar os enfermos, levando conforto e esperança na forma de hóstia consagrada. Além de Cristo, no bolso esquerdo e interno do paletó, levava consigo um castiçal, um crucificado, uma pequena toalha branca, fósforo, uma vela e algumas estampas de Nossa Senhora Auxiliadora, tendo no verso a oração. Findo o ofício e dada ao doente a comunhão, em geral pedia que ele so

Orvalho e neblina matutina em São João del-Rei

                                          Em São João del-Rei                                           nas manhãs frias                                           de orvalho reticente                                           o sol inconfidente                                           sonha outros dias                                           outras Minas... Antonio Emilio da Costa                         

São João del-Rei é mais bela e mais misteriosa do que se imagina...

Uma joia preciosa da arte barroca em São João del-Rei está desde sempre - e permanentemente - à vista de todos, mas é conhecida por poucos. Inegavelmente tem muito do mestre Aleijadinho e integra a portada de uma das mais importantes obras que ele projetou: a nossa igreja de São Francisco de Assis. De tão bonito e delicado, o templo parece uma sinfonia celeste, composta em nuvens de pedra. Muita gente, tanto são-joanenses quanto turistas, já entrou na igreja mas não percebeu tão surpreendente joia, o que é tão fácil. Basta olhar para o alto quando se cruza o portal da igreja franciscana de nossa terra. Do que se trata? De um sublime medalhão com a face de Cristo brotando entre ramos de cravos. Seus olhos, de imaginárias pupilas, e a expressão hipnótica da boca dão a ela a impressão do Cristo Transfigurado no encontro com os profetas Moisés e Elias, na presença dos apóstolos João, Tiago e Pedro, em dias próximos à sua morte. A iluminação do Messias, realçada neste episódio que fi

São João del-Rei, templo do tempo, precisa pulsar no ritmo do coração

As cidades históricas são templos do tempo, são arcas da memória, são vertentes dos sonhos. Lugares sagrados, são testemunhas vivas de feitos e fatos, são o território da história, ou melhor são territórios onde a história habita. Quem vive em uma cidade histórica precisa ter consciência do privilégio que é viver em terras que por si só são espaços de memória, lembranças e recordações, constituídos por suas ruas e avenidas, seus becos, seus largos e suas praças. Neles, igrejas, casarões e monumentos estão o tempo todo a silenciosamente contar o que viram ao longo de tantos séculos. Quem administra uma cidade histórica precisa ter compromissos verdadeiros com a cultura e com a memória local, pois a saúde destes patrimônios depende muito de atitudes e decisões que só do poder público podem emanar. Principalmente os homens públicos têm na história a vitrine e o porta-retrato de sua competência, de seu comprometimento, de seus valores, da sua trajetória, do seu fazer. Quem visita

Arte Sagrada. Os santos desceram dos altares e se juntaram ao povo em São João del-Rei.

Em 2015, as cortinas cor de sangue que durante a Quaresma cobriram os altares da Matriz do Pilar de São João del-Rei, mais do que ocultar, revelaram. Isto mesmo. Revelaram a beleza e a riqueza de detalhes que quem visita o mais dourado templo barroco são-joanense não consegue ver de perto. É que desta Quinta Feira Santa até o Domingo da Ressurreição, todas as imagens de seis altares e dos oito nichos da matriz estão expostas ao público no Museu de Arte Sacra, na mostra temporária Arte Sagrada - Imagens da Catedral.  Da padroeira, Nossa Senhora do Pilar, até a beata Nhá Chica. De São Miguel e São Sebastião a Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora do Rosário e Nossa Senhora da Assunção. E também os recém-restaurados Santana Mestra e São Joaquim, além de São José, Santa Bárbara, São João Menino, os Anjos Custódios e tantas outras imagens barrocas, setecentistas e oitocentistas. Em uma das salas do Museu, o visitante pode admirar um requintado tapete processional, confeccionado com

Procissão das Lágrimas. Tradição ímpar da Quaresma em São João del-Rei

Às nove da noite da sexta quinta-feira da Quaresma, o sino dos Passos fez dobres incomuns. Incomuns não fosse para informar à população são-joanense que naquele momento estava se encerrando a celebração do último dia do Setenário das Dores. E também para lembrar que o dia seguinte (sexta sexta-feira da Quaresma), em São João del-Rei é Sexta Feira das Lágrimas, ou da Soledade. E que haverá procissão, de Nossa Senhora das Dores, realizada pela Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Passos. Mal o sino tocou o último dobre e na Matriz do Pilar - fechadas todas as portas - logo as irmãs e os irmãos dos Passos iniciaram providências e preparativos para a nobre e austera procissão da noite seguinte. A imagem, descida do Calvário montado no altar-mor pelos homens que a levam nos braços para a nave central, é arrumada no andor - as mulheres conferindo com desmedido zelo o vestido roxo, a capa cor da noite, as joias, espadas e o diadema de estrelas. E aos poucos,  mas com muita devoção, vão co

Territórios de memória, lembrança, fé, sofrimento e divindade no coração de São João del-Rei

Andando a pé pelo centro histórico de São João del-Rei, e adjacências,  é impossível não percebê-los. Eles estão sempre ao alto, no centro, em posição de destaque. São os antigos Cruzeiros da Penitência, plantados na paisagem colonial são-joanense nos séculos XVIII e XIX. Os mais antigos, imponentes, iconograficamente ricos e completos, têm todos os estigmas da Paixão: coroa de espinhos, cálice de amargura, cravos, chicote, túnica, corda, lança, lençol, dados, escada e até o galo que condenou São Pedro pela negação do Salvador. Estão no lado direito da igreja das Mercês, no Morro da Forca, no Largo da igreja do Senhor dos Montes, na pedreira do Pau D'Angá e no alto da Rua do Ouro, territórios da Serra do Lenheiro. Cinco. Um para cada chaga de Cristo. O do Largo da Cruz, na fachada de uma casa residencial, é singular em todo o país. Fica no ponto exato entre o público e o privado, entre a casa e a rua. Na lateral direita da Matriz do Pilar tem uma cruz em relevo, encimand

Anjos del-Rei - O espelho do céu nas procissões de São João del-Rei

Ser anjinho nas procissões de São João del-Rei é um momento especial e mágico na vida das crianças. A túnica, a coroa de flores, as asas, caminharem legião entre as alas das irmandades, à frente dos andores incensados, ao som da banda, da orquestra e dos sinos. Tudo isto cria uma emoção que é lembrada para sempre como um momento feliz, por toda a vida. Além disto, vestir-se de anjinho faz parte de um processo evangelizador, que aproxima a criança da Igreja e da religiosidade, por meio da beleza, da pureza e da inocência, que são estrelas brilhantes na alma infantil. Sair de anjinho nas procissões é um presente valioso que pais, padrinhos e avós podem oferecer às crianças, como momentos de sublime recordação; a  São João del-Rei, com o embelezamento das tradicionais procissões, e a Deus, pela louvação de Seu Reino, que é feito de amor e paz. ................................................... O projeto Anjos del-Rei prevê a formação de um banco de imagens com