Pular para o conteúdo principal

No carnaval de São João del-Rei 2016, mais uma vez. "o samba agoniza mas não morre".

Será o samba como um pássaro mitológico, que quase sempre voa alto e gorjeia soberano, mas de vez em quando murcha as asas, perde as penas, apaga o brilho, engole em seco, cai o bico e cochila sem ânimo nos recantos mais sombrios? Em São João del-Rei, cada vez mais tem sido assim.

Antigamente, carnaval era magia, alegria, fantasia. Subverter a ordem e a rotina com um reino imaginário de beleza, realeza, cor, soberania de três dias em que esquecia a monotonia cinzenta do dia a dia. Mal acabava a festa de São Sebastião, no dia 20 de janeiro, carnavalescos, compositores, desenhistas, figurinistas, costureiras, artesãos - todos davam asas à imaginação e, em pensamento e ação, já começavam a gestação do que alegraria os são-joanenses na semana que antecedia a famosa Terça-feira Gorda. Durante muito tempo foi assim.

Há mais de cem anos, corsos, cordões, Zés-Pereiras, desfiles de automóveis enfeitados, Club XPTO, Bloco do Boi, Lua Nova, Príncipe da Lua, Custa Mas Vae, Bate Paus - muitos de nós ouvimos de nossos pais e avós lembranças dos velhos carnavais do início do século passado, inclusive com pitorescas fotografias da de nossos antepassados, fantasiados como mandava a tradição: ciganas, pierrôs, palhaços, colombinas, índios, sultões, presidiários, baianas, odaliscas, havaianas, negas malucas, enfim, tudo o que desse na telha do desejo, do sonho e da imaginação.

Na cadência do samba vieram agremiações carnavalescas e escolas de Samba  de nomes muito inusitados e pitorescos: Depois Eu Digo, Qualquer Nome Serve, Irmãos Metralhas, São Caetano, Milionários do Ritmo, Acadêmicos do Rítmo, Largo da Cruz, São Caetano, entre outros de vida mais curta. Isto sem esquecer dos irreverentes Bloco da Alvorada, Pão Molhado e os Caveiras.

No embalo, surgiram blocos espontâneos, estilo vai quem quer, como o Lesma Lerda, Vamos a la Playa, Domésticas, As Piranhas, Deixe o Mundo Girar e outros inspirados nas torcidas de futebol, grupos de amigos de bairro, repúblicas de estudantes e por aí segue. Por várias qualidades destacados, deixaram suas marcas, na última década, os blocos Carnaval de Antigamente e Recordar é Viver.

É sempre um espetáculo maravilhoso e sem par, que invade alma a dentro e faz tremer o coração, quando as escolas de samba são-joanenses se concentram e iniciam seus desfiles no Largo do Rosário e no Largo do Carmo, enchendo as ruas estreitas de carros alegóricos, passistas, baianas, capoeiristas, ritmistas, cabrochas e todo tipo de maciez e brilho, plumas, veludos, lamês, lantejoulas, vidrilhos, paetês, ao som de baterias estonteantes.

Pelo que se ouve, em 2016 os são-joanenses serão privados desta emoção e deste espetáculo de alegria, arte e, por que não?, de felicidade. Uma pena. Em tempos tão difíceis, restritivos, desesperançosos e até mesmo indesejáveis, o que não pode faltar é alegria.Como cantam os Titãs

               "A gente não quer só comida
                 A gente quer comida                 Diversão e arte                 
           A gente não quer só comida                 A gente quer saída                 Para qualquer parte...
                 A gente não quer só comida                 A gente quer bebida                 Diversão, balé                 A gente não quer só comida                 A gente quer a vida                 Como a vida quer...
                 A gente não quer só comer                 A gente quer comer                 E quer fazer amor                 A gente não quer só comer                 A gente quer prazer                 Prá aliviar a dor...
                 A gente não quer                 Só dinheiro                 A gente quer dinheiro                 E felicidade                 A gente não quer                 Só dinheiro                 A gente quer inteiro                 E não pela metade..."


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Debaixo de São João del-Rei, existe uma São João del-Rei subterrânea que ninguém conhece.

Debaixo de São João del-Rei existe uma outra São João del-Rei. Subterrânea, de pedra, cheia de ruas, travessas e becos, abertos por escravos no subsolo são-joanense no século XVIII, ao mesmo tempo em que construíam as igrejas de ouro e as pontes de pedra. A esta cidade ainda ora oculta se chega por 20 betas de grande profundidade, cavadas na rocha terra adentro há certos 300 anos.  Elas se comunicam por meio de longas, estreitas e escuras galerias - veias  e umbigo do ventre mineral de onde se extraíu, durante dois séculos, o metal dourado que valia mais do que o sol. Não se tem notícia de outra cidade de Minas que tenha igual patrimônio debaixo de seu visível patrimônio. Por isto, quando estas betas tiverem sido limpas e tratadas como um bem histórico, darão a São João del-Rei um atrativo turístico que será único, no Brasil e no mundo. Atualmente, uma beta, nas imediações do centro histórico, já pode ser visitada e percorrida. Faltam outras 19, já mapeadas, dependendo da sensi

Em São João del-Rei não se duvida: há 250 anos, Tiradentes bem andou pela Rua da Cachaça...

As ruas do centro histórico de São João del-Rei são tão antigas que muitas delas são citadas em documentos datados das primeiras décadas do século XVIII. Salvo poucas exceções, mantiveram seu traçado original, o que permite compreender como era o centro urbano são-joanense logo que o Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes tornou-se Vila de São João del-Rei. O Largo do Rosário, por exemplo, atual Praça Embaixador Gastão da Cunha, surgiu antes mesmo de 1719, pois naquele ano foi benta a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, nele situada e que originalmente lhe deu nome. Também neste ano já existia o Largo da Câmara, hoje, Praça Francisco Neves, conforme registro da compra de imóveis naquele local, para abrigar a sede da Câmara de São João del-Rei. A Rua Resende Costa, que liga o Largo do Carmo ao Largo da Cruz, antigamente chamava-se Rua São Miguel e, em 1727, tinha lojas legalizadas, funcionando com autorização fornecida pelo Senado da Câmara daquela Vila colonial.  Por

Padre José Maria Xavier, nascido em São João del-Rei, tinha na testa a estrela da música barroca oitocentista

 Certamente, há quase duzentos anos , ninguém ouviu quando um coro de anjos cantou sobre São João del-Rei. Anunciava que, no dia 23 de agosto de 1819, numa esquina da Rua Santo Antônio, nasceria uma criança mulata, trazendo nas linhas das mãos um destino brilhante: ser um dos grandes - senão o maior - músico colonial mineiro do século XIX . Pouco mais de um mês de nascido, no dia 27 de setembro, (consagrado a São Cosme e São Damião) em cerimônia na Matriz do Pilar, o infante foi batizado com o nome  José Maria Xavier . Ainda na infância, o menino mostrou gosto e vocação para música. Primeiro nos estudos de solfejo, com seu tio, Francisco de Paula Miranda, e, em seguida dominando o violino e o clarinete. Da infância para a adolescência, da música para o estudo das linguas, José Maria aprendeu Latim e Francês, complementando os estudos com História, Geografia e Filosofia. Tão consistente era seu conhecimento que necessitou de apenas um ano para cursar Teologia em Mariana . Assim, j