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Mostrando postagens de outubro, 2015

Um rosário de flores, graças e favores para o povo de São João del-Rei

Em São João del-Rei, o mês de outubro não poderia terminar de um modo que não fosse celestial. Com uma majestosa procissão, que nos remonta a 1708, quando nesta terra foi fundada a primeira Irmandade Nossa Senhora do Rosário de Minas Gerais. Entre os historiadores que se debruçam sobre o culto a Nossa Senhora do Rosário no Brasil, no século XVIII, existe uma dúvida se a irmandade são-joanense é a segunda ou a terceira mais antiga do país. Como é tradição na cidade, desde o cedo o sino do Rosário de tempos em tempos dobra festivo, anunciando que é um dia especial. Na missa cantada, a música fica por conta da Orquestra Lira Sanjoanense - a mais antiga das Américas em ininterrupta atividade desde a sua fundação, em 1776. Barroquíssima ao extremo, a imagem da madona encanta. Generosa, sublime, materna, acolhedora, terna, solidária, complacente, cordiosa, divina, diáfana, humana e até mesmo idílica. Tudo isto, olho a olho, ela transmite aos devotos que vão visitá-la. A igreja do Ro

Ora iê iê ô, Oxum! Ora iê iê ô, São João del-Rei!

São João del-Rei nasceu do ouro. Foi este metal dourado que - assim como a Estrela Guia levou os Reis Magos até a gruta de Belém - atraiu os bandeirantes, os aventureiros, os forasteiros e o poder português, fazendo brotar aqui o Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes. Aqui o ouro foi esplendor que reluz até hoje... Se o ouro foi a semente fértil do velho Arraial, São João del-Rei é, também, filha de Oxum - yabá das mais belas e nobres das religiões brasileiras de matriz africana. Oxum é a essência feminina em sua forma mais delicada, encantadora, amorosa, maternal. Rainha, é dona do ouro e de tudo o que é dourado. Mulher, é mãe da infância e da doçura. Natureza, vive na água doce que cai em cascatas e cachoeiras. Etérea, é senhora do dia e da noite de astros brilhantes. Talvez por desconhecimento deste laço original e pelos rumos que historicamente tomou a presença negra nesta região, em São João del-Rei não se realizam homenagens coletivas a Oxum. Seu cul

Novos tempos, novas mulas sem cabeça assombram São João del-Rei

Uma rua estreita, sinuosa, com subida e descida, no centro da cidade, tendo na metade uma pedreira angulosa e no alto dela um cruzeiro bicentenário, erguido no tempo em que mulas sem cabeça corriam noturnas a horas ermas e mortas, aterrorizando a todos com suas línguas de fogo. Talvez, superando interrupções, uma continuidade da Rua Santo Antônio – caminho dos bandeirantes, escravos, libertos e aventureiros, no alvorecer do século XVIII, atravessando a Vila de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes rumo à Rua do Fogo e à Rua do Barro Vermelho. Paralelo a uma ponta da avenida principal, o lugar foi batizado com um nome estranho, que os índios tupis falavam para referir-se a uma árvore de grandes e polpudas vagens. No seu começo, tem um alto muro de arrimo de pedras aparentes que em certas épocas do ano mais parece uma cascata de samambaias, musgos e liquens. No seu final, uma cruz alta, fina e simples, fincada em uma pequena pedra, sem os estigmas mas com a tabuleta J.N.R.

Parodiando Carlos Drummond, São João del-Rei é apenas um retrato na parede?

Há décadas atrás era comum em São João del-Rei pensar que o moderno era inimigo do antigo. Que as novidades tinham vindo e se alastravam para apagar todas as marcas do passado. Mesmo falso, este pensamento refletia uma visão simplista da evolução da história local, no caso específico da arquitetura são-joanense, que das casas de pau-a-pique, cobertas com capim, do Arraial Velho de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes, até os sobradões imperiais e os edifícios art noveau , não foram poucas as vezes em que a mais nova custava o sacrifício da mais velha. Se por um lado isto deu à cidade uma face bastante heterogênea e diversificada na paisagem de sua arquitetura, por outro é como se fosse uma história contada em capítulos, cada um falando de seu tempo, por meio de fachadas, sacadas, volumes, ferragens, estuques, cancelas e aldabras. Pena que cada novo capítulo era escrito apagando partes dos capítulos anteriores Hoje sabe-se que o moderno pode, deve e quase sempre é amigo do antig

Valei-nos Nossa Senhora do Rosário! Sorri com bondade para os congadeiros de São João del-Rei

Mesmo ficando meio à margem da cultura oficial são-joanense, algo como o primo pobre das nobres tradições coloniais, o congado, ou congada, como alguns preferem, é uma manifestação cultural forte em nossa região, principalmente nos bairros mais afastados e nos distritos de São João del-Rei. Não se precisa de nenhum esforço para entender porque isto acontece: basta relembrar a condição social do povo que introduziu este produto cultural na região: negros africanos, escravizados, que viviam à margem do sistema político-social. Na economia eram apenas a força bruta; para a religião vigente, no começo havia dúvida se sequer tinham alma. Ainda hoje ainda não são os negros são-joanenses que possuem visibilidade destacada na sociedade local que compõem os grupos de congado. Congado exige alma negra, exige fé autêntica e natural, exige crença, convicção e coragem. Se não for assim é folclore, folguedo, espetáculo e diversão. Mesmo que não se dimensione, a região de São João del-Rei tem

Nossa Senhora do Pilar e seu coração de ouro, batendo dourado no peito de São João del-Rei

São João del-Rei, 12 de outubro.  Em 2015, pouco depois das seis da manhã, todos os sinos já dobram em conjunto. Começam, em matinada, o concerto sonoro da alvorada de Nossa Senhora do Pilar - padroeira e madrinha da cidade, irmã da espanhola Zaragoza, onde a Virgem apareceu ao apóstolo São Tiago. Toques de sino o dia inteiro, alfaias, velas, cortinas vaporosas, chuvas de flores, aromas, tapetes de pétalas e areia colorida, música da Orquestra Lira Sanjoanense, foguetes, banda de música, fogos de artifício. São João del-Rei é vida, fé e festa no dia 12 de outubro. Hoje menos do que antes, antigamente São João del-Rei era ainda mais festiva no dia 12 de outubro. Em homenagem a Nossa Senhora Aparecida, Rainha e Padroeira do Brasil, ao meio dia todas as casas - principalmente as mais humildes, dos recantos, bairros periféricos, dos altos e encostas - soltavam uma artilharia de foguetes, em meio a velas acesas, incenso em brasa e a voz da Rádio Aparecida do Norte, bradando a imacula

As coisas boas de São João del-Rei 10 - Barteliê: o que você não espera, ali espera por você!

Em São João del-Rei tem uma via que começa no século XVIII e leva gente, jovem e sorridente, do século presente,  aos anos setenta do século que ficou para trás. Tudo atravessando as três portas do Barteliê. Assim como o nome é uma mistura inusitada das palavras Bar e Ateliê, a proposta artístico-etílico-gastronômico-musical também é ousada: um bar fundido com uma galeria de arte e artesanato, onde se ouve a música que ninguém espera. Jazz, blues, mpb, chorinho, samba, clássicos, grandes nomes, inéditos, desconhecidos, alternativos, música autoral. Tudo cabe no Barteliê. Bob Dylan, Janis Joplin, James Taylor, Joan Baez, Beatles, Egberto Gismonti, Sivuca, Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Tropicália, Clube da Esquina, Samba, Forró: Tudo a seu dia se ouve no Barteliê. Melhor dizendo, tudo à sua noite, pois o bar sempre abre quando o sol se esconde. Aquela rua, outrora, foi mal-afamada, mal-dita, de tanto que nela moravam o prazer, a alegria e a diversão, amamentados por mulheres