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Mostrando postagens de fevereiro, 2013

Via Sacra de São João del-Rei. 8ª Estação: do Beco do Cotovelo ao Largo da Cruz*

"Um rio de gente desce caudaloso e turbulento pelo Beco do Cotovelo. Palavras, ombros, partituras, velas, terços, instrumentos e pés se esbarram, se comprimem, se atropelam, deixando cair pedaços de prece, retalhos de sonho, notas musicais e pepitas de medo no calçamento pé-de-moleque. O buganvile lílás, abraçado ao jasmim cheiroso, debruça sobre as telhas curvas, do muro de pedras, e recolhe um olhar perdido, um suspiro saudoso, um pressentimento. Creio em Deus Padre!... Finda a curva no Largo da Cruz, sentimentos novamente se desembaraçam. Se desvencilham, se harmonizam, se diluem como a fumaça do incenso. Ali, o galo que cantou depois que Pedro negou Cristo, na Noite da Condenação, assiste tudo e não anuncia a aurora, imovel que está no telhado, sobre o cruzeiro de suplícios e estrelas, com pingentes de franjas e lágrimas. Ali, o homem de nobreza e bronze caminha há décadas ao encontro de sua família, mas o tempo passa e ele nunca consegue sair d

Retrato falado da Procissão das Cinzas de São João del-Rei no começo do século XIX

 2013 - Há exatamente 150 anos, no dia 18 de fevereiro de 1863, as ruas de São João del-Rei foram cenário para mais uma Procissão das Cinzas. Promovida pela Ordem Terceira de São Francisco, esta procissão era realizada sempre na Quarta-Feira de Cinzas, para assinalar o começo da Quaresma e conclamar o povo são-joanense ao jejum, à abstinência e penitência. Tudo indica que este ritual já era tradicionalmente praticado em nossa cidade há muitas décadas, senão desde o século XVIII, pois o viajante francês Augusto de Saint-Hilaire, que visitou São João del-Rei em 1819 e em 1822, assim a descreveu em sua caderneta de campo, onde registrava suas anotações de viagem (versão simplificada) : "(...) Por volta das cinco horas, a procissão entrou na rua onde morava o pároco. À frente, vinham três mulatos, com túnicas cinzentas. Um deles carregava uma cruz de madeira e os outros dois, um de cada lado, carregavam altas lanternas. Em seguida vinha um personagem caracterizado como um esq

Mistério de São João del-Rei: pode em um só peito bater dois corações?

São João del-Rei tem mistérios que ninguém ainda conseguiu decifrar. Enigmas que transcendem o pragmatismo cotidiano. Quer uma prova? Aí vai: tem gente que nasceu em outros lugares, muito além da Serra do Lenheiro, e no entanto é tão são-joanense quanto os mais puros são-joanenses "da gema". Esta gente, são são-joanenses de coração! Pessoas que se encantaram de corpo e alma pela riqueza cultural barroca de nossa cidade a ponto de quase anonimamente divulgarem, para todo o mundo, via web, muitas preciosidades artísticas que são exclusivas de São João del-Rei. Duvida? Então te dou um exemplo: a primeira pessoa a publicar no Youtube um vídeo da música barroca tocada em São João del-Rei, mais precisamente pela grandiosa e respeitável Orquestra Ribeiro Bastos, não foi um são-joanense da gema. É um são-joanense de coração. Muito provavelmente é ele quem mais já publicou trechos musicais de nossa Festa de Passos, da Semana Santa e de várias outras tradicionais festas de nossa ci

Programação da Festa de Passos na Semana Santa 300 anos de São João del-Rei

 Em São João del-Rei, as celebrações dos Passos de Nosso Senhor Jesus Cristo a Caminho do Calvário, ou simplesmente Festa dos Passos, são  programação mais longa do calendário litúrgico da cidade. Dura exatos  21 dias, ou seja, mais da metade da Quaresma. São 21 eventos, entre vias sacras, encomendações de almas, depósitos, rasouras, setenário e procissões. Tradicionalmente, na " terra onde os sinos falam ", começam na primeira sexta-feira após o Carnaval e terminam na sexta sexta-feira da Quaresma, ou seja, a última sexta-feira que antecede à Sexta-Feira da Paixão. Em 2013, as atividades da Festade Passos configuram o seguinte calendário: . 15 e 22 de fevereiro e 1o de março  - Solenes vias sacras, pelas ruas do centro histórico . 8 de março - Depósito de Nossa Senhora das Dores  . 9 de março - Depósito de Nosso Senhor Bom Jesus dos Passos . 10 de março      - Rasoura de Nossa Senhora das Dores      - Rasoura de Nosso Senhor Bom Jesus dos Passos      - Pro

Primeira sexta feira da Quaresma. Começa hoje a Festa de Passos de São João del-Rei 300 anos

Como prevê o calendário litúrgico de São João del-Rei, nas três sextas-feiras seguintes ao Carnaval, a Irmandade de Nosso Senhor Bom Jesus dos Passos realiza solenes vias-sacras externas. Para quem não sabe o que são estas celebrações, elas se assemelham a procissões, mais precisamente à Procissão do Encontro, porém com algumas particularidades. Têm à frente, puxando o cortejo, uma grande cruz preta, com um alvo lençol em forma de M; não tem andor. O que o substitui é um crucificado, conduzido altivamente por um membro da irmandade. Seu trajeto também é singular. Sai da matriz do Pilar, rumo à igreja de São Francisco de Assis, onde a Orquestra Ribeiro Bastos canta o primeiro moteto sacro e o sacerdote reza orações especiais para este exercício de meditação e penitência. Finalizando, a orquestra executa a antífona Senhor Deus, misericórdia! , somente executada nas vias sacras solenes. De lá, percorrendo ora ruas e pontes estreitas, ora espaçosos largos, percorre cinco capelas-pass

São João del-Rei 300 anos. São João dos sinos!

Tantos e tão sonoros são os sinos de São João del-Rei, do alto da muitas torres vigiando  tudo e contando uns para os outros - e também para os são-joanenses! - o que acontece ou vai acontecer do lado de cá da Serra do Lenheiro, que São João del-Rei responde se sente orgulhosa quando lhe chamam " cidade onde os sinos falam ". Por incrível que pareça, o sino chegou ao vale do Lenheiro juntamente com o próprio Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes nos primeiros anos do século XVIII. Não tão grande, quanto os atuais, mas como uma sineta exposta no Museu de Arte Sacra. Naquele tempo, a primitiva capela da santa padroeira era uma capela de pau a pique e palha, sem torres para sinos. Assim, era a sineta que tocavam à frente das procissões. Todas as igrejas da cidade possuem sinos pequenos, médios e grandes, de sons únicos, variados. Tradição são-joanense, todo sino, ao ser batizado, recebe um nome, para lembrar um santo ou personalidade religiosa. Elias,

A Paixão segundo São João del-Rei. 300 anos

Findo o Carnaval, imediatamente São João del-Rei mergulha noutro tempo. Noutra era. Uma longa e densa Quaresma evapora do chão de pedra, rarefaz-se em nuvens nebulosas, toma conta de tudo - do tato ao pensamento, do olfato ao coração. Há mais de 300 anos é assim. Em horas enigmáticas os sinos tocam lamentosos pancadas dolorosas. Introspectivos dobres. Chamam para noturnas vias sacras. Para a Paixão segundo São João, tal qual há mais de três séculos compôs Bach, quando São João del-Rei, ainda Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes, amanhecia sua infância de ouro e esperança. Ouça BWV I e II: Leia também http://diretodesaojoaodelrei.blogspot.com.br/2013/02/na-barroca-sao-joao-del-rei-fevereiro-e.html 

Carnaval, São João del-Rei. Bloco dos Caveiras é um Baú de Ossos: "Todos somos iguaes!"

Como é comum no carnaval de São João del-Rei, é na Segunda Feira das Almas que o Bloco dos Caveiras sai às ruas. Sombrio, escuro, lúgubre, funesto, segue lento e compassado na cadência de uma marcha fúnebre, que uma banda de metais tortos toca desafinada. Tal qual a vida no seu indesejado compasso final. Apesar de ser o carnaval festa da carne, no Bloco dos Caveiras não há alegria. Risadas estridentes, sofridas e histéricas ecoam nos alto-falantes roucos. Ninguém canta, não tem confete nem serpentina. Só defuntos, esqueletos,  caveiras desdentadas, túnicas pretas, capuzes, caixões, assombrações, almas do outro mundo, mulas sem cabeça, demônios, decapitados, enforcados, esfaqueados, ensaguentados, eviscerados,  urubus, diabos, sacis, bruxas, abutres,  tumbas e altos estandartes que, com inscrições barrocomedievais, entre enfumaçamentos, proclamam:          *  A riqueza dos túmulos e a pompa dos funerais não melhoram             em nada as condições dos mortos. Só satis

No Carnaval de São João del-Rei, Bate-Paus são do bem. Com B e P maiúsculos!

Amanhã, domingo de Carnaval de 2013, em São João del-Rei, a atual Escola de Samba Bate-Paus será uma das homenageadas do bloco Carnaval de Antigamente / Atitude Culural , como  a mais antiga agremiação carnavalescas da cidade, ainda desfilando no cortejo de Momo. a festa, vespertina, acontecerá no Largo do Rosário, entre animadas e saudosas marchinhas carnavalescas, cabeções, anjos barrocos, caveiras sorridentes, palhaços, pernas-de-pau e muita alegria. Há controvérsias sobre o ano exato da fundação do Bate-Paus , como bloco, nos anos trinta do século XX, mas isto não importa. O que interessa é que ela - se ainda não completou - está muito perto de completar oitenta anos. E ativa, lúcida, lúdica, vivaz, feliz, sagaz, lépida e fagueira. Alguém duvida do que o amor à vida e aos semelhantes, a alegria e o samba são capazes? Pois é... No Carnaval de 2011, referindo-se à Escola de Samba Bate Paus , este Almanaque Eletrônico Tencões & terentenas publicou o seguinte texto, que se

Carnaval 2013 em São João del-Rei já começou com a maior Bandalheira!

A palavra bandalheira, no senso comum, todo mundo sabe o que é: zona, cachorrada, molecagem, safadeza, canalhice, malandragem, roubalheira, mamata, senvergonhice, velhacaria. Isto, é a bandalheira com b minúsculo. Mas não em São João del-Rei, no sábado que antecede o Carnaval. Lá, Bandalheira é outra coisa. É um bloco, ou uma banda, ou os dois ao mesmo tempo, que arrasta muita gente por ruas de paisagem colonial muito bonita, no centro histórico da cidade. Na Bandalheira de São João del-Rei, não tem falcatrua, corrupção, trapaça, nem exploração. Só alegria sadia. Cordialidades, gentilezas, civilidades. Como o bloco sai à luz do dia, abrindo as portas para o Carnaval propriamente dito, tudo acontece às claras, o que cria uma ambiência muito feliz e tranquila, propícia para todos - do pequeno infante ao são-joanense mais curtido pelo tempo. Desde seu primeiro desfile, o abre-alas da Bandalheira é um jipe, sobre o qual costuma sair um grande estandarte branco, c

Sabe qual foi a grande contribuição de São João del-Rei para o Carnaval? A madrinha de bateria!

O carnaval de São João del-Rei, desde os idos 1930 até os dias atuais, teve muitas épocas de ouro. Ouro, aliás, foi o que incendiou a cobiça e iluminou os rumos dos bandeirantes até o vale da Serra do Lenheiro, para fundar o arraial que há exatos 300 anos foi transformado em vila e, pouco mais de 100 anos depois, em cidade. Mas deixando os bandeirantes de lado, voltemos ao reino de Momo. Você sabe qual foi a grande contribuição mundial de São João del-Rei para o Carnaval de todos os tempos? A criação da madrinha de bateria. Isto mesmo, a criação desta "entidade" que encanta a todos, à frente dos ritmistas, se deu aqui, mais precisamente no carnaval de 1968, ou seja há 45 anos. Segundo o grande carnavalesco são-joanense e respeitável homem da Cultura Jota Dangelo, até aquele ano nenhuma agremiação carnavalesca ou escola de samba, sequer do Rio de Janeiro, tinha em sua composição algo que se assemelhasse à madrinha de bateria. Ela foi criada por acaso, quando o casal Rôm

Urubu Malandro e Sabiá Moleque, de alegria, caíram na folia em São João del-Rei

 Há pouco mais de 115  anos, no último dia de janeiro de 1897, partiu de São João del-Rei o 16° Batalhão de Infantaria. Vindo de Pelotas e passagem na cidade desde junho de 1896, seguia para combater Antônio Conselheiro, na Guerra de Canudos. Mas não foi o modo de falar, os costumes desconhecidos nem o toque marcial da partida o fato o que marcou a passagem dos soldados gaúchos  por São João del-Rei. O que mais causou estranheza aos são-joanenses foi a inusitada apresentação daqueles militares, que formaram um "Bando de Reis", muito diferente das folias de Reis a que estavam acostumados. No dia 6 de janeiro, vestidos "a caráter" de Reis Magos, acompanhados de algumas mulheres, os sulistas percorrerem diversas ruas do centro da cidade, cantando em coro toadas e loas desconhecidas. Seus movimentos de danças curiosas, próprias de sua distante região, pareciam um espetáculo itinerante, que agradou e foi bastante aplaudido pelo povo que morava à sombra da Serra do

Na barroca São João del-Rei, fevereiro é balança de dois pratos: alegria e arrependimento

Em São João del-Rei, fevereiro é um mês que, como nenhum outro, coloca lado a lado o sagrado e o profano, a farra e a penitência. Tão maior o delírio, quão maior o arrependimento. Se não houver um, como   justificar o outro? Logo que o mês começa, no dia 5, desde a metade do século XVIII a cidade festeja as virtudes de São Gonçalo Garcia. Em sua homenagem, a   Confraria que honra o santo realiza novena barroca, com músicas próprias, compostas pelo Padre José Maria Xavier e executadas pela Orquestra Lira Sanjoanense   - a mais antiga das Américas, em atividade ininterrupta desde sua fundação. Deste repertório sacro fazem parte Veni Sancte Spíritus, Dómine ad adjuvandum, Invícte Martyr e Justus ut Palma florébit . Encerrando a festa religiosa, solene missa cantada, procissão e Te Deum laudamus. Da festa religiosa para a festa profana, a distância não é maior do que alguns dias.Um pulo e a música barroca dá lugar a sambas, batuques e marchinhas. Em vez de sinos, tambores e tambori