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Mostrando postagens de junho, 2012

Em São João del-Rei, "a terra parece que evapora tumultos ... a natureza anda inquieta consigo"

Quarta vila colonial instituída em Minas Gerais, em 1713, muito influenciada pelos efeitos e consequências da sangrenta Guerra dos Emboabas que ali ocorrera em 1709, São João del-Rei vivia, nos seus primórdios, o mesmo clima de desaforos, desmandos, insurreições, violências e conflitos que predominava nas demais vilas mineradoras. A situação era tão perturbadora para a metrópole portuguesa que o Conde de Assumar, então governador da Capitania, assim definiu a região das minas de ouro e diamantes:                               " A terra parece que evapora tumultos; a água exala motins;                 o ouro toca desaforos, destilam liberdades os ares.                 Vomitam insolências as nuvens, influem desordens os astros,                  o clima é a tumba da paz e berço da rebelião.                   A natureza anda inquieta consigo                  e amofinada por dentro, como é lá no inferno. " Passados praticamente 300 anos, muito do que

São João del-Rei - Terra da Música sempre foi fértil para as palavras grandiosas e eloquentes

Casarão colonial, tendo ao fundo as torres da Matriz do Pilar de S.J. del-Rei Tão acostumados são os são-joanenses às pregações que fazem parte das grandes festas religiosas, complementando e situando no tempo e espaço o que representam as celebrações barrocas, que muitos deles - principalmente os bem-vividos - são capazes de se revelar excelentes oradores e fazer, de improviso e com propriedade, os mais tradicionais e setecentistas sermões: Sermão do Encontro de Nosso Senhor Bom Jesus dos Passos com sua mãe Maria Santíssima, Sermão do Calvário, Sermão do Descendimento da Cruz e vários outros. Se um orador sacro, ao ocupar o púlpito em uma destas ocasiões, não corresponder à expectativa na narração da história sagrada, tricentenariamente tão conhecida da população de São João del-Rei, com certeza causará críticas, frustrações e descontentamentos. Pelo que se percebe, tão comuns no século XVIII, os sermões desde sempre fazem parte da história de São João del-Rei. Tanto que José Á

Tumulto e prisão na setecentista Câmara da Vila de São João del-Rei

 Não é de hoje que a Câmara dos Vereadores de São João del-Rei, vez por outra, vê seu nome envolvido em situações, no mínimo, embaraçosas. Prova disto é que, no dia 24 de junho de 1775, aquela ' Casa ' teve que tomar providências contra o vereador Joaquim Lopes do Vale - " o único v ereador que assiste nesta Vila dos que serviram o ano próximo passado ". Melhor dizendo, Joaquim era o único vereador que ficou no cargo por mais um mandato. Mas ele não honrou o cargo e, quebrando o decoro, insubordinou-se às normas, recusando com bravura carregar o estandarte do Senado, muito provavelmente no cortejo da procissão de Corpus Christi. O ato e o fato, por terem sido considerados graves, tiveram a merecida punição. A Câmara da Vila de São João del-Rei deliberou que o vereador Joaquim Lopes do Vale fosse " preso e recolhido à cadeia por três dias, para emenda sua e exemplo a outros em semelhantes casos ". Enquanto isto, quase exatamente 237 anos depois, no

São João del-Rei sempre desejou boas noticias

Quarta vila ínstituída em Minas Gerais há quase exatos trezentos anos, já no século XVIII a próspera São João del-Rei desfrutava de tudo o que à época - mesmo improvisado e precário - era conhecido como progresso e modernidade. No final dos anos setecentos, carteiros já circulavam por Minas Gerais. Armados, para proteger-se dos assaltantes, com os pés descalços e pesadas malas postais, percorriam os mais tortuosos e íngremes caminhos, para levar mensagens, cartas, notícias. Muitos deles levaram alegrias, saudades, sustos, esperanças e tristezas em palavras retorcidas, escritas com longas penas, para o povo de São João del-Rei. O viajante inglês John Luccock, na sua viagem por Minas Gerais em 1817, registrou na caderneta de anotações o serviço prestado pelos carteiros. A minuciosa descrição inspirou o artista plástico Ivan Wasth Rodrigues a criar a obra acima, que integra a série de cartões postais Evolução dos uniformes de carteiros , lançada pelo Museu Postal e Telegráfico, pos

Muxinga. Em São João del-Rei todo mundo sabe onde fica. Pouca gente sabe o que significa

Famosa em São João del-Rei por ser o endereço do artesanal e encantado presépio natalino (foto) , de dois grandes e centenários cemitérios e, mais recentemente, da Capela do Espírito Santo e do Memorial Natividade, a ladeira da Muxinga é um lugar bastante conhecido dos são-joanenses. Inclusive é a rua onde muitos, contrariados, passam pela última vez, a caminho da derradeira morada. Não fosse a urbanização, com certeza facilmente se confundiria com um morro, parte de uma montanha, tão acentuadas são suas curvas e inclinações. Em uma subida tem até duas alternativas de acesso: uma para carros e outra para pedestres, a segunda na forma de escadaria de pedras, disfarçada em degraus largos, com corremão de ferro. Do alto da Muxinga se tem belas e inusitadas visões facetadas e conjuntas do harmonioso e barroco centro histórico são-joanense, com suas torres, janelas, jardins e telhados. Tudo indica que o nome Muxinga existe desde as primeiras décadas da elevação do Arraial Novo de Nossa

Pepita barroca de São João del-Rei, entre pés-de-moleque e jabuticabeiras da Rua Santo Antônio

Capela de Santo Antônio, São João del-Rei (dez/2011) Foto do autor Em São João del-Rei, musical, poética, estranhamente bela é a Rua Santo Antônio. Desafiando a gravidade, muitas de suas casas - ora térreas, ora assobradadas - jogam para trás suas paredes, recuam seus beirais de cachorro e de beira-seveira, algumas, até, os aéreos baldaquinos. Por que tudo isso? Porque se extasiam com a graça da capelinha de Santo Antônio, setecentista pepita barroca, avulsa na paisagem comprida e retorcida da encosta por onde, há três séculos, entraram brancos bandeirantes, passaram morenos sertanistas, transitaram mulatos compositores sacros, vagaram negros escravos e forros. Tão pequena quanto a palma da mão, a igreja é construção colonial, edificada antes de 1764, conforme relata o historiador Antonio Gaio, no seu livro Sanjoanidades .  Também sobre a mesma capela, o historiador Geraldo Guimarães, na obra São João del-Rei Século XVIII , conta que um testamento de 1778 oficializa doação par

São João del-Rei aplaude em lembrança seu setecentista Mestre de Música Antônio do Carmo

Há 282 anos, exatamente no dia 12 de junho de 1728, o Senado da Câmara da Vila de São João del-Rei contratou o mestre de música Antônio do Carmo para " dar boa música, com dois coros " à festa do santo São João, nosso padroeiro. O valor pago pelo serviço? 40 oitavas de ouro. Este seria apenas um registro contábil-administrativo não fosse oportunidade para trazermos à lembrança um dos mais importantes nomes da música em São João del-Rei - o do mestre Antônio do Carmo. A bem da verdade, é o primeiro nome de destaque na região, pois coube a ele, onze anos antes, em 1717, coordenar toda a atividade musical desenvolvida para homenagear o governador da Capitania de Minas Gerais e de São Paulo, Dom Pedro de Almeida e Portugal, o Conde de Assumar, em sua primeira visita à recém-criada Vila de São João del-Rei. Em uma das apresentações destinadas ao governador, foi executado um Te Deum Laudamus , a dois coros, que segundo o maestro são-joanense José Maria Neves mais pareciam do

Irmandade do Rosário dos Pretos de São João del-Rei. A mais antiga irmandade negra de Minas Gerais

1º de junho de 1708. Nesta data foi fundada, em São João del-Rei, a mais antiga irmandade dos negros de Minas Gerais - a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Ela é, também, a mais antiga irmandade religiosa de São João del-Rei. Exatamente em 1708 começava na região a sangrenta Guerra dos Emboabas e o Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes, com apenas quatro ou cinco anos de existência, sequer havia sido elevado à categoria de Vila. Sua igreja - a primeira a ser construída no lado esquerdo do Córrego do Lenheiro, datada de 1719 - é considerada a mais antiga entre as ainda hoje existentes na cidade. Isto porque a capela de Nossa Senhora do Pilar que a precedeu, situada na margem direita do mesmo córrego, no Morro do Bonfim / alto do Morro da Forca, foi incendiada no conflito entre paulistas e emboabas, em 1709. Apesar de ter sido, nos séculos XVIII e XIX, uma agremiação de escravos, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos er

Em São João del-Rei, ainda se lê, datilografado, o jornal mais rápido do país

Velocidade não é a principal característica do povo mineiro. Pelo contrário, o homem das montanhas de Minas é reflexivo, circunspecto, recatado. Pensa duas vezes, ou quantas vezes julgar necessário, antes de falar. Mas em São João del-Rei ainda existe um jornal que, há quatro ou cinco décadas atrás, chegou a ser considerado o jornal mais ágil do país, por lançar em um único dia três edições. Bastava que novidades importantes acontecessem. É o Jornal do Poste . Doutor ou analfabeto, não existe são-joanense que nunca tenha parado nas calçadas para reparar o que noticiam as tabuletas pretas do Jornal do Poste , afixadas em diversos pontos do comércio central de São João del-Rei. Tão grande era a credibilidade do veículo que muitos são-joanenses, após ouvirem no rádio  notícias sobre acontecimentos importantes, iam até o mural para se certificarem de que aquilo tinha mesmo acontecido. Se estivesse no Jornal do Poste , então não havia dúvida: era mesmo verdade. Para muita gente, por