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Padre Pedro Teixeira se foi. Ficou na estrela vespertina, no céu de São João del-Rei



Sem nenhuma alegria, desde ontem os sinos de São João del-Rei estão dobrando contrariados. Dobram para dentro de si mesmos, no intuito de desmentir a triste notícia que são fadados a espalhar: Padre Pedro Teixeira foi-se embora deste mundo.

Triste junho. Do Coração de Jesus traspassado pela lança do centurião hoje não escorre um fio de água e sangue. Escorre uma única lágrima. Discreta, humilde e silenciosa. Jesus é piedoso e complascente e sente a saudade que os são-joanenses sentirão de Padre Pedro: o mensageiro da Eucaristia, que, durante muitas décadas, toda manhã, com sua batina preta, ia a pé de casa em casa visitar os enfermos, levando conforto e esperança na forma de hóstia consagrada. Além de Cristo, no bolso esquerdo e interno do paletó, levava consigo um castiçal, um crucificado, uma pequena toalha branca, fósforo, uma vela e algumas estampas de Nossa Senhora Auxiliadora, tendo no verso a oração.

Findo o ofício e dada ao doente a comunhão, em geral pedia que ele soprasse a vela, para estimular o pulmão. - Ê Padre Pedro, o senhor vai fazer muita falta!

Com sua simples presença ele exorcizava, dos doentes crepusculares, a dor da desesperança, a friagem da solidão, a fraqueza do abandono, a treva que sem pausa rondava o coração de quem, já no adiantado da vida, via o sol cada vez mais se afastar e se apagar.

Agora, face a face, Jesus e Padre Pedro se contemplam e o Senhor, sempre generoso, mais uma vez se condoi dos são-joanenses em sua dor. E então o brilho manso, doce e luminoso do olhar que sempre mirou a cidade vira estrela vespertina no céu azul de São João del-Rei.

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Foto: Marcinho Lima


Comentários

  1. Texto Brilhante, homenagem merecida. Parabéns, Emílio.

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    1. Marcinho, brilhantes são o personagem, que inspirou o texto, e o fotógrafo, que tão bem o retratou. Grande abraço.

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  2. Um santinho, um iluminado que alegrou meu coração num dos mais tristes dias da minha vida! Triste junho! Obrigada Padre Pedro

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    1. Kk, duvido que exista algum são-joanense que não se sentiu mais desamparado depois que se foi Padre Pedro!

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