Agosto, em São João del-Rei era um mês de grande apreensão. Céu de tempo revolto, de neblina ainda pela manhã, de nuvens em agitado movimento, o vento correndo frio e raivoso, varrendo em redemoinho folhas no chão, sacudindo com força as roupas nos varais, espalhando viroses...
Para muitos, agosto é mês de cachorro “zangado”, como se
dizia antigamente dos cães contaminados pela raiva. Em uma era em que tudo era
tranquilo e o mundo girava devagar, o oitavo mês do ano era também temido pela
quantidade de acidentes que aconteciam naquele período, marcado pelo dia de São
Bartolomeu, festejado em 24 de agosto. São Bartolomeu é “santo bravo”; tão bravo que na noite de São
Bartolomeu, no ano de 1572, praticou-se canibalismo nas cidades francesas de
Lyon e Auxerre, inclusive com venda de
gordura, fígado e coração humanos. As vísceras eram assadas em braseiros, no meio
das praças, conta Frei Beto, citando Jean de Léry. O sincretismo religioso afrobrasileiro associou São Bartolomeu ao orixá Oxumaré, a cobra do arco-íris, filho dos orixás Obaluaiê e Nanã.
A crença em Obaluaiê é tão grande que em agosto os terreiros realizam o Olubajé - um ritual, com cânticos sagrados, toques como o Opanijé (Deus que dança), comidas rituais africanas, chuva de pipoca, simbolizando a peste bexiguenta, cujas pústulas estouram como pipoca, e outros mistérios que só quem conhece Obaluaiê sabe.
Pelo umbigo negro desta terra vertente, desde o tempo do ouro os terreiros tradicionais de São João del-Rei celebram o Olubajé, ou Tabuleiro de Obaluaiê ou de Omulu, nome que em yorubá, segundo alguns significa "Rei do Mundo" e para outros quer dizer "Fogo que vem da Terra". Sua saudação é Atotô.
A Associação Cultural Casa do Tesouro / Egbe Ile Onidewa Ase Igbolayo (Rua Vicente Cantelmo, 875, Bairro Guarda-Mor), por exemplo, abrirá os trabalhos do mês de agosto realizando, às 15 horas do dia primeiro, o Tabuleiro de Omulu.
Atotô, meu pai!, Atotô Obaluaê! Atotô Omulu! saúdarão os devotos daquela divindade africana, que atravessou o Oceano Atlântico trazida para o Brasil nos porões dos navios negreiros no século XVI. Poucas décadas depois, o "Rei do Mundo" chegou a São João del-Rei com os primeiros negros africanos, no raiar do século XVIII, mal surgira o Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes.
Texto e foto: Antonio Emilio da Costa
Clique abaixo e conheça o toque do Opanijé.
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