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Mostrando postagens de 2014

São João del-Rei e a Folia de Reis a "Caminho da Salvação"

A passagem de folias de reis pelas ruas de São João del-Rei - do centro histórico às localidades mais periféricas - é tradição centenária, mas nos últimos anos andou perdendo força, pela falta de renovação em seus membros. É que a modernidade e a urbanização, com seus novos valores estéticos e apelos tecnológicos, aos mais jovens ainda parecem  opor a folia de reis tradicional ao status de progresso e evolução. Com isso, os grupos são-joanenses cada vez mais se tornaram menores e mais escassos, compostos em sua grande maioria por pessoas mais idosas. Atentos a esta realidade, alguns intelectuais buscaram não só minimizar este enfraquecimento quanto valorizar a folia de reis, elevando a auto-estima de seus membros e das comunidades que as conservam, pensando na  revigoração desta importante expressão cultural popular do ciclo natalino. Foi assim que a Organização Não Governamental Atitude Cultural organizou e promoveu, durante mais de uma década, o Encontro das Folias de Reis e Pa

Barroco Natal de samba, sons e tons de São João del-Rei

Uma cidade de coração vivaz e multicor, que harmoniza os mais diversos tons e sons, para pulsar barrocos sentimentos tropicais de brasilidade. É assim São João del-Rei, e isto se vê de vários modos. Às fachadas dos sobrados coloniais, nas demais cidades históricas tradionalmente pintadas de branco, com portas e janelas vermelhas, azuis, ocre e marrom, aqui se juntam outras, de cores suaves, porém vibrantes: azuis, rosas, cinzas, amarelas, verdes - com seus beirais e lambrequins. Pura alegria. Mais do que em outras cidades nascidas no tempo do ouro, em São João del-Rei as sonoridades se harmonizam em compassos que ninguém imagina. Durante todo o dia 24 de dezembro, por exemplo, enquanto de tempos em tempos os sinos do Rosário repicavam o tencão de Natal, a poucos passos dali, no Largo do Carmo, uma  espontânea batucada, com muito samba,  celebrava a vida e a liberdade. Eram os herdeiros da noite, revivendo a conquista do dia. Tudo sobre as galerias subterrâneas de onde se ext

Vovô Gomide & as Catitas de São João del-Rei

Na galeria dos personagens típicose muito populares de São João del-Rei, um muito pitoresco, mas hoje praticamente esquecido, é Vovô Gomide. Fins dos anos 50, começo dos anos 60, já relativamente idoso, o velho meio branco, baixinho, de cabelo e barba brancos, morava na esquina da Rua Coronel Tamarindo com a Rua Rodrigues de Melo, onde hoje existe a Praça Padre José Maria Fernandes, próximo à Rua do Barro e ao Pau D'Angá. Para as crianças, pela semelhança, era o ilustre Marquês de Tamandaré, que naquela época corria de mão em mão na nota de Cr$ 1 (um cruzeiro). Sempre de paletó escuro e surrado, com sua voz mansa, rouca e baixa, se dizia nobre, descendente do Barão de Cocais, e aguardava a chegada de sua parte da lendária herança, que vinha não se sabe de onde, mas do século XIX. O que fazia dele uma pessoa especial? Vovô Gomide catava no chão maços vazios de cigarro que os fumantes jogavam fora e desenhava a lápis, no verso da estampa e no papel branco, garatujas de corpo

Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo, mágico e iluminado em São João del-Rei

Na ocasião do Natal, mal começa o Advento, São João del-Rei fica envolta por uma aura mágica. Luzes coloridas e brilhantes realçam contornos de telhados, beirais e janelas coloniais, semeiam anjos e estrelas nos jardins, franjas luminosas enfeitam o coreto – romântico cenário para os corais e suas cantatas. Na metade do mês começa, na igreja do Rosário, a Novena Barroca do Menino Jesus, composta no século XIX pelo são-joanense Padre José Maria Xavier. É um ofício alegre e delicado, só executado em São João del-Rei, pela Orquestra Lira Sanjoanense, considerada a mais antiga orquestra das Américas em atividade permanente desde a segunda metade do século XVIII.  Pouca gente sabe, mas as mais importantes celebrações do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo na terra onde os sinos falam são realizadas na igreja do Rosário, seguindo uma tradição colonial. Assim como a Ordem Terceira do Carmo incumbia-se de parte das celebrações da Paixão de Cristo, a Irmandade do Rosário é responsáv

O modernista Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e a Semana Santa de São João del-Rei

Estamos em São João del-Rei, mais precisamente no Largo do Carmo, no ano de 1924. Pela sombra oblíqua projetada da esquerda para a direita, sabemos que devem ser, mais ou menos, 3 horas da tarde. Um soldado, em primeiro plano, anda depressa, atravessando a praça, como a fugir da paisagem rumo ao Largo da Cruz. Dois meninos brincando, um homem de pé, encostado na monumental fachada, do lado oposto mais algumas crianças. Uma mulher, na janela, espia o dia  escorrer e a vida passar... - Quem é aquele homem de terno preto e chapéu no centro da foto, de frente à portada? - Ora, não é ninguém menos do que Oswald de Andrade! Era abril, Semana Santa, e ele adentrava o interior de Minas para redescobrir o Brasil, na companhia da pintora Tarsila do Amaral e do poeta e intelectual francês Blaise Cendars. Ficaram todos tão encantados com o que viram que, entre outros poemas, Oswald de Andrade, após descrever sumariamente nossa cidade por não encontrar para ela adjetivos, pediu aos bra

301 anos de Vila. 310 anos de vida. "... Salve terra de São João del-Rei!"

301 anos de Vila, 310 anos de vida. É assim que São João del-Rei - ' a cidade mais barroca de Minas ' - chega a este 8 de dezembro, sua data natal. Exultante como a setecentista e alegre procissão que no entardecer, ao som dos sinos e das marchas  festivas que a banda toca, caminha com Nossa Senhora da Conceição pelas ruas da cidade. Mas agora, voltemos no tempo... O sol que anunciou em alvorada o amanhecer do dia 8 de dezembro de 1713 iluminou também uma nova era para o Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes. Naquela data, o movimentado e próspero aglomerado urbano que desde 1703/1704 se formara à sombra da Serra e às margens do Córrego do Lenheiro, tendo - semelhante a Fênix - se recomposto do incêndio que assinalara o fim da sangrenta e cruel Guerra dos Emboabas, foi elevado à categoria de Vila. Seu nome, São João del-Rei, em homenagem a El-Rey Nosso Senhor Dom João V, o "Rei Sol" português. Nascia ali, assim, a quarta vila do ouro das Min

São João del-Rei não é uma cidade, é uma sinfonia! Quem disse foi Santa Cecília*

Com seus sinos, suas orquestras e bandas, São João del-Rei é mais do que uma cidade. É uma sinfonia. Pura música. As ruas se alinham em pauta, para que igrejas, casarões,  sobrados, lampiões, cruzeiros e pontes se alternem em notas e pausas, entre becos e largos, entre sol e chuva, dia e noite. As flores dos jardins - damas da noite, bugarins, margaridas, ibiscos, papoulas, manacás, jasmins - ao mesmo tempo que perfumes, exalam sons celestes, de estrelas, orvalhos e vagalumes. Mas só depois que, crepuscular, a clave de sol se apaga, para acender no céu a clave de luar. Tudo por milagre de Santa Cecília... Ela, padroeira dos músicos, é madrinha da cidade. Mora aqui desde 1717, quando veio para Vila de São João del-Rei a pedido do Mestre Antonio do Carmo, a protegê-lo na missão de desenrolar um tapete de música para a passagem do Conde de Assumar, na sua primeira visita São João, O nobre português ainda estava ressabiado com violência da Guerra dos Emboabas e precisava ter certeza

Negritude, consciência, direitos, conquistas, igualdade & cidadania em São João del-Rei

O Brasil inteiro comemorou hoje o Dia Nacional de Zumbi dos Palmares e da Consciência Negra. São João del-Rei está comemorando a semana inteira, com palestras, panfletagem, encontro de zeladores de santo (orixás), cinema, desfile da beleza negra, cortejo, danças e artes afrobrasileiras e outras atividades do Ponto de Memória Batuques / Casa do Tesouro. Tendo começado no dia 18 e prosseguindo até o dia 28, será uma semana de 11 dias. Não se espante, em São João del-Rei isto é possível, e até muito comum. Grande parte dos eventos acontece no centro histórico, em edifícios coloniais e nos largos e ruas mais antigas da cidade, mas a programação se estendeu também pela periferia, como o Bairro Araçá, famoso por seus grupos de congada e folia de reis. Como era de se esperar, o evento, como um todo, visa a valorização e afirmação do povo negro são-joanense, o combate ao racismo e ao preconceito; a informação, mobilização e luta por igualdade, direitos, reconhecimento e cidadania. Daí se

Em São João del-Rei, Santa Cecília dedilha amorosas canções para ninar Aleijadinho

Há exatos duzentos anos, nesta data, fechou os olhos para o mundo o mineiro Antonio Francisco Lisboa - maior nome do barroco nas Américas e o grande mestre das artes plásticas americanas no século XVIII, por todos conhecido como Aleijadinho. Sua vida foi repetir, com maestria, o ato da criação. Cristos, virgens, anjos, apóstolos, soldados romanos, gente do povo, cordeiros, corações flamejantes, rocalhas e volutas graciosamente brotavam da pedra e da madeira pelo movimento até do que restaram de suas mãos. Aleijadinho reproduziu o céu entre os riachos, os vales, pepitas de ouro e as montanhas de Minas Gerais. São João del-Rei recebeu a graça divina de ter em seu centro histórico dois dos seis mais belos templos barrocos criados pelo grande mestre - a igreja do Carmo, com as quinas angulosas de suas torres que misteriosamente ao alto se tornam sinuosas até diluir-se no infinito, e a igreja de São Francisco, absolutamente toda em curvas. As fachadas destas igrejas, com sua

Em São João del-Rei, até defuntos e cemitérios comemoram aniversários. Sabia?

Na tradição popular, novembro é o mês dos mortos e, em São João del-Rei, esta característica do penúltimo mês do ano é reforçada diversas vezes. A partir do dia 2, quando se celebra Finados, começam as missas aniversárias dos defuntos que pertenceram a uma, ou a várias, das dez Irmandades bicentenárias, sediadas no centro histórico são-joanense. Também conhecida como "aniversário dos cemitérios", a cerimônia é composta de duas partes. Começa com uma missa, na igreja que é sede da Irmandade, onde, no centro da nave estão dispostos, no chão, um tapete preto, com galões e uma grande cruz dourados e bordados. Em cada uma das quatro pontas, um castiçal alto, com uma vela acesa, como se estivesse aguardando um defunto para a oração final. Terminada a missa, os sinos tocam exéquias e os irmãos saem em procissão, vestidos com suas opas ou hábitos, e assim vão até o cemitério correspondente, onde o padre faz orações fúnebres. Tudo - missa e orações no campo santo - ao som de mú

Encontro de Sineiros de Minas Gerais: Em São João del-Rei, palavra de sineiro não volta atrás

                No encanto do Primeiro Encontro de Sineiros de Minas Gerais,                  clique no link abaixo e ouça o que dizem com as mãos e o coração                 os eternos meninos, homens sineiros de São João.                 E palavra de sineiro não volta atrás... https://www.youtube.com/watch?v=ThwzmJfsT0Q

Encontro de Sineiros de Minas Gerais: da voz do bronze à voz dos homens em São João del-Rei

Dificilmente existe, no dia a dia de São João del-Rei, algum personagem mais presente do que ele: o sineiro. Assim como os sinos, é do alto das torres barrocas que eles anunciam júbilo ou tristeza, executando no bronze sons melodiosos que transmitem sinais litúrgicos e códigos seculares: dobres, repiques, chamadas, cinzas, tencões, terentenas, floreados, canjica queimou e uma infinidade de tantos outros. Se existem símbolos eternos de São João del-Rei, juntamente com os sinos, os sineiros estão entre eles. Por tudo isto, São João del-Rei é também conhecida como " a cidade onde os sinos falam " e, portanto, não poderia ser realizado em outro lugar o Primeiro Encontro de Sineiros de Minas Gerais . Aqui, ele está acontecendo neste fim de semana, com atividades diversas - apresentações, intercâmbios, visita às torres, relatos e conversas sobre este patrimônio imaterial brasileiro, que é o toque dos sinos de São João del-Rei e demais cidades históricas de Minas Gerais. Part

Nhá Chica: de São João del-Rei para o Sambódromo carioca, via Baependi

Quando nasceu em Santo Antonio do Rio das Mortes, distrito de São João del-Rei, em 1808, a menina Francisca de Paula de Jesus, filha de uma escrava, não imaginava que seu nome e sua história iriam ultrapassar fronteiras e continentes. De São João del-Rei para Baependi, de Baependi para Minas Gerais e para todo o Brasil, do Brasil para o Vaticano e de lá para o mundo inteiro. A negra, analfabeta, afilhada de Nossa Senhora da Conceição e Serva de Deus, conhecida também como 'mãe dos pobres', foi beatificada em maio de 2013. Agora, em fevereiro do ano que vem, mais uma vez Nhá Chica vai ser destaque no Brasil e no mundo, porém passando por um caminho incomum, pouco ortodoxo mesmo, para uma beata que não vê a hora de ser santificada: o Sambódromo do Rio de Janeiro. Sua história vai ser o enredo da Escola de Samba Tradição, no Carnaval de 2015, que tem o título Nhá Chica, a beata negra e guerreira do Brasil . E não haveria forma mais brasileira nem mais eficaz para propag

São João del-Rei tem duas das seis mais belas igrejas de Aleijadinho

Aleijadinho presenteou São João del-Rei com o projeto de duas das seis igrejas barrocas que especialistas consideram as mais belas do barroco mineiro. As das Ordens Terceiras de Nossa Senhora do Carmo e de São Francisco de Assis. Se em quantidade  parece pouco, é só lembrar que duas é um terço de seis! Retribuindo o tesouro recebido do maior gênio do barroco nas Américas, a cidade desenvolverá uma vasta programação para homenagear o grande mestre, neste mês e ano em que se comemora o bicentenário de sua chegada ao mundo. Até o momento, já estão programados onze eventos, distribuídos no período de 11 a 30 de novembro: exposições, palestras, lançamento de livros e de documentário, recitais e concertos. Eles acontecerão principalmente no Museu de Arte Sacra, no Teatro Municipal e na delicada Capela do Espírito Santo. Mas não será surpresa se este rosário cultural estender-se por outros espaços coloniais do centro histórico e aumentar ainda mais com jantar harmonizado, interven

A morte é vizinha da vida em São João del-Rei. O que as separa é só um portão de ferro!

Hoje, os sinos de São João del-Rei estão dobrando de um modo diferente, em uma frequência incomum. Começaram ontem, logo depois da Hora do Ângelus, tocam do alto das torres de todas as igrejas, de tempos em tempos, e assim será até o cair da noite, pois hoje é o dia dos Mortos. Seus dobres são dobres fúnebres. Desde cedo, missas são rezadas nas várias coloniais igrejas, muitas das quais preparadas como antigamente eram quando iam receber um defunto, para ser ali "encomendado": um tapete de veludo preto, engalanado com bordas douradas e uma grande cruz no centro também dourada, estendido próximo do arco-cruzeiro. Sobre ele, uma alta e grande "eça" - imponente, nobre e trágica mesa de madeira, esculpida com caveiras e outros símbolos funerários. Na tradicional cidade, ainda é costume dos mais velhos entrar rezando para as almas do Purgatório pela porta principal das igrejas três vezes seguidas e sair pela lateral, para obter "indulgências plenárias concedid

Rondó de uma imaginária noite de São João del-Rei

                                 Na minha terra,  fim do dia,                                  o sol apaga a luz da lamparina.                                  Vai deitar do lado de lá do Lenheiro                                  para certeiro sono São João adormecer.                                  De mansinho, silencioso,                                  Cordeiro de Deus                                  salta-lhe do ombro.                                  Porta afora, céu adentro,                                  cometa, estrela, lua, orvalho e vento,                                  até  a noite em claro amanhecer.                                  De seu sonho inocente,                                  deserto, água, peixe, mel e concha,                                  pomba branca lá do alto tudo encanta,                                  São João sorri, só se levanta                                  quando o sol em brilho aparecer!                 

São João del-Rei tem eira e tem beira. Tem beira-seveira, cimalha, cachorro e muitos outros beirais

Em São João del-Rei, quando ainda hoje se diz que algo ou alguém não tem eira nem beira, não se está fazendo um elogio. Pelo contrário! Sem eira nem beira quer dizer sem fundamento, descabido, sem posses nem referências, sem qualquer coisa em que se possa basear para atribuir algum valor ou reconhecimento. No período colonial, a expressão servia para designar alguém muito pobre, quase um sem-teto, já que eira, em Portugal, significava pátio ou quintal e beira o mesmo que beiral: acabamento na base do telhado, que se projetava à frente da fachada das casas residenciais e das edifícações públicas. Até as igrejas tinham, nas laterais, de telha, madeira ou em pedra, belos beirais. Passeando pelas ruas, largos e becos de São João del-Rei, quem observar a fachada das casas simples, dos casarões e dos sobrados vai se deparar com vários tipos de beirais. As famosas beiras-seveiras, que são rendilhados de duas ou três camadas de telhas, com a curvatura para baixo, fazendo um acabamento

Bendito e louvado sejam as folias, pastorinhas, congadas e catupés de São João del-Rei

Ninguém duvida da riqueza cultural de São João del-Rei. Principalmente das tradições barrocas que, herdadas do século XVIII, permanecem vivas, nas mais diversas formas de expressão: ofícios religiosos, música barroca, ricas procissões, toques de sinos, tapetes de rua e muitas outras atividades que preenchem de som, perfume e cor os 365 dias do ano de quem vive às margens do Córrego do Lenheiro. Mas existem algumas manifestações culturais que, paralelas ou periféricas às grandes celebrações litúrgicas, ainda são pouco conhecidas - e por isto mesmo pouco reconhecidas - pelos próprios são-joanenses. Entre estas, estão as folias, pastorinhas e congadas, que se apresentam por ocasião do Natal, Santos Reis Magos e São Sebastião, em janeiro, Divino Espírito Santo, em maio / junho, e Nossa Senhora do Rosário, por todo o mês de outubro. Em algumas situações, as folias e congadas podem ser vistas no centro histórico da cidade, mas seu território forte são os bairros e alguns distritos de

São João del-Rei, com glórias e louvor, agradece e pede bênçãos à sua padroeira

Desde cedo, vive hoje São João del-Rei uma atmosfera diferente. Mal o dia amanheceu e uma alegria solene está debruçada nas sacadas e nas janelas. De tempos em tempos, desde cedo, os sinos da Matriz do Pilar dobram e repicam festivos. Vestidas com um retoque a mais na roupa de ver Deus nos domingos, homens e mulheres atravessam as sete pontes de pedra e de ferro que se curvam sobre o Córrego do Lenheiro e todas levam rumo à Rua Direita, a uma escadaria e adro altivo, ao altar dourado de Nossa Senhora do Pilar, "excelsa padroeira de São João del-Rei".  Hoje, 12 de outubro, é dia de Nossa Senhora do Pilar, o que por si só todo ano, nestas terras, é motivo de louvor e festa. Mas em 2014 São João del-Rei tem um motivo a mais para celebrar: os sessenta anos da coroação pontífícia da imagem da Virgem que socorreu o apóstolo Tiago na cidade espanhola de Zaragoza. Aqui, reverenciando sua magestade, recebeu em 1954 uma grande coroa de ouro garimpado nas minas e betas da Serra do

São João del-Rei: ... houve este mundo ou eu inventei? ...

                                       "O sino da minha terra ainda bate                                          às primeiras sextas-feiras                                          por devoção ao Coração de Jesus.                                          Em que outro lugar do mundo                                          isto acontece?"                                                                                  Adélia Prado

São Miguel Arcanjo: um luminoso corpo celeste em São João del-Rei

Divindade que é, São Miguel Arcanjo não tem corpo. É espírito, um dos mais elevados das Potestades. Quando Deus criou a luz e, em seguida, o universo, com seus astros, planetas e cometas, São Miguel há muito já existia. Mas em São João del-Rei, desde séculos passados até hoje, muitos artistas se dedicam a dar ao Anjo Maior forma humana. E, com isto, existe na cidade um sem-número de representações de São Miguel, nas mais diversas técnicas, formas e materiais - madeira, cerâmica, ferro, pinturas, bordados, pedra sabão, cobre, papel, palha, aninhagem. Todas aladas, a maioria com a balança na mão esquerda, várias com espada flamejante, algumas com escudo e lança, tendo o demônio, assustado e temeroso, a seus pés. Na ilustração deste post, a representação do arcanjo São Miguel - obra em cerâmica, criada pelo saudoso artista plástico são-joanense Marcos Mazzoni, em 1992 (acervo do autor) .

São Miguel Arcanjo. Há 300 anos Príncipe da Milícia Celeste protege São João del-Rei

Faz mais de 300 anos que São Miguel Arcanjo chegou a São João del-Rei, ainda Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes. Aqui, ele viu o ouro brotar da terra e, por cobiça humana, facões e espadas crisparem seus metais, acendendo no ar raios e relâmpagos. Arcabuzes lançarem pólvora e estouro de trovão e até o Córrego do Lenheiro correr tinto de sangue na Guerra dos Emboabas. Há quem diga que, sinal de sua força e poder, ele escapou das chamas que incendiaram a primitiva capela de Nossa Senhora do Pilar, no Morro da Forca, saindo a salvo na companhia de seu vizinho, o guerreiro e mártir São Sebastião. Vencidas as chamas e abrandado o calor das pedras em brasa, em 1716 São Miguel criou seu exército humano na recém-criada Vila de São João del-Rei: a Irmandade de São Miguel e Almas. Desde então, toda segunda-feira é saudado com uma missa vespertina e no mês de setembro festejado com muita oração e especial louvor. Depois de um tríduo noturno, de leituras e cânticos bar

Festa de Nossa Senhora das Mercês: a sagração da primavera em São João del-Rei*

Em São João del-Rei, todo ano é assim: a primavera só chega no dia 24 de setembro, no buquê de flores brancas que Nossa Senhora das Mercês carrega na mão direita. Seus pés pisam nuvens de flores que brotam dos altares e se espalham por toda a igreja, singela e graciosa, incrustada em uma rocha que dá início à subida da Serra do Lenheiro. Entrada para o caminho por onde no século XVIII subiam homens escravos, desciam negros livres, transitavam cativos mulatos, atrevidos criolos, astutos morenos e gentes de toda laia - clandestinos, foragidos, ladrões, proscritos, ciganos, bandidos, degredados - todos a faiscar ouro nas betas, a garimpar no ribeirão e a catá-lo entre raízes do capim agreste. Alguns, dizem, escondiam o ouro na carapinha... Todo ano, no anoitecer do dia 24 de setembro, Nossa Senhora das Mercês leva a primavera a passear pelas ruas, largos e becos coloniais de São João del-Rei. Entre as flores de seu buquê e de seu andor, carrega graças, mercês, milagres e favores, que

Lua nova de setembro: semicírculo de prata brilhante no céu de São João del-Rei

A lua nova de setembro, em São João del-Rei, que acontece nesta época do ano, mostra uma paisagem celeste singular. Ainda mais quando acontece de estar alinhada com alguns planetas, brilhantes e bem visíveis a olho nu logo depois do anoitecer. É como se fosse um semicírculo de prata, meia aliança, incompleto aro, pontuado por dois ou três diamantes. Tão belos são esta lua e este luzeiro que inspiraram aos são-joanenses a seguinte saudação religiosa popular:                            "Deus vos salve Lua Nova,                              Lua de São Clemente.                             Quando voltares de novo                              trazes dinheiro * pra gente..."  * O objeto do pedido pode variar de acordo com a necessidade: dinheiro, saúde, fartura, alegria, esperança... .............................................................................. Informante: Carmen Trindade da Costa

Setembro, em São João del-Rei, é tempo do Bom Jesus, da Cruz e do Perdão

Dia da Exaltação à Santa Cruz, 14 de setembro é festejado em São João del-Rei com três celebrações distintas e simultâneas. A mais movimentada, sem dúvida, acontece no bairro de Matosinhos, como ponto máximo do Jubileu do Senhor Bom Jesus, padroeiro daquela freguesia. Realizada desde o século XVIII, a festa tem importância regional e para ela, até décadas passadas, vinham romarias dos povoados e cidades próximas. Mas o Bairro de Matosinhos cresceu, é muito movimentado, e do tempo antigo, além da fé, da devoção, do entusiasmo e da imagem do Crucificado, quase nada restou. A velha igreja singela e barroca deu lugar a um templo moderno e a procissão crepuscular, que avança noite a dentro, chegou até a ser motorizada, adequada ao ritmo intenso e próprio daquela comunidade. Mas pelo bem da memória dos velhos e dos novos tempos, o andor voltou a ser carregado no ombro pelos homens da Irmandade do Bom Jesus, ao som de marchas tocadas pela banda local. Lembranças antigas, nas barraquinha

Patrimônio de valor inestimável são as lembranças e as memórias humanas de São João del-Rei

São João del-Rei tem muita história viva. Não apenas aquelas que se repetem anualmente nas tradições que revivem, no relembrar, fatos e tempos passados. São João del-Rei tem muita história que vive, dorme, sonha, tece, planta e cultiva saudades dos tempos idos e esperanças naqueles que estão por vir. Os octogenários e nonagenários de São João del-Rei têm a história brilhando nos olhos, correndo nas veias, batendo no peito, E zelam dela mantendo-a acesa e pulsante na memória pessoal, inclusive como escudo protetor contra o mal de Alzeimer, a depressão e depreciação social que o envelhecimento tenta lhes impor. Lembranças de antigas paisagens, de nomes originais das ruas, brincadeiras de infância, métodos escolares, modinhas, benzeções, propriedade terapêutica das ervas, simpatias, lendas, mandingas, chás miraculosos, orações fortes, cantigas, efemérides, temperos, crenças, saberes e sabores. Tudo isto é deles rico patrimônio sentimental, afetivo e cultural, mas muito pouco identif

V Semana Cultural Dom Lucas Moreira Neves: música de domingo a domingo em S. João del-Rei

Se Dom Lucas Moreira Neves do outro mundo viesse a São João del-Rei esta semana, certamente sorriria grande felicidade.Traria também seus irmãos, Dona Stella e Zé Maria, para partilhar com eles tamanha alegria. É que de domingo a domingo, ou seja, de 7 a 14 de setembro, acontece na terra onde os sinos falam a V Semana Cultural Dom Lucas Moreira Neves. Promovida pelo Memorial Dom Lucas Moreira Neves, este ano ela tem na música seu eixo principal. Afinal, a música sempre foi paixão, virtude e dom da família de Dom Lucas desde seu pai, Telêmaco Neves, e é uma das faces divinas da alma de São João del-Rei. A semana se abrirá no domingo, dia 7, às 20 horas na igreja do Carmo, com um encontro de Ave Marias: um recital lírico com as mais belas composições dedicadas a Nossa Senhora, executadas por um conjunto de sopranos, barítono, flauta e espineta. Na segunda feira, tem missa cantada na Matriz do Pilar e, nos dias seguintes, à noite, no Memorial, uma programação musical variada: Coral

O que se ver e fazer em São João del-Rei? Só não sabe quem não vem cá...

Uma cidade misteriosa, que não mostra, à primeira vista, suas belezas. São João del-Rei é assim. Não é uma cidade óbvia, espetacularizada, estereotipada nem folclorizada. Tal qual num namoro mineiro, é preciso calma e serenidade para conhecer os encantos daquela que - por manter vivas e organicamente integradas suas visões, memórias e tradições dos longínquos tempos do ouro - pode ser considerada a mais barroca cidade de Minas Gerais. De imediato, quem chega ao centro histórico não percebe isto. A diversidade evolutiva da arquitetura, que mistura os séculos XVIII, XIX e XX, às vezes intriga e desconcerta o visitante quanto ao tempo em que ele está. Como é possível ali três séculos trançarem seus estilos estéticos sem, na maioria dos casos, perder sua autêntica harmonia? E a monumentalidade delicada dos templos, a mostrar que Deus mora aqui e é vizinho dos são-joanenses? A cada hora do dia, conjugada com a estação do ano, a paisagem são-joanense muda tão fortemente sua face, que

Salve São João del-Rei. Salve setembro. Salve tudo o que aqui faz a vida ficar melhor e mais bonita!

Mal setembro anuncia sua primeira alvorada e em São João del-Rei a primavera se antecipa, florescendo pétalas de fé. De toda parte exala aroma doce de orvalhada flor de laranjeira, de inocentes manacás umedecidos de sereno e brisa, de jasmins mansinhos e repicados como se fossem vegetais estrelas de papel. Nem precisa ser noite. O amanhecer ou o entardecer já bastam. O nono mês do ano é suavemente santo à sombra da Serra do Lenheiro. Faltam-lhe horas, dias e noites para tamanha devoção. Senhor do Monte, Bom Jesus de Matosinhos, São Francisco em chagas, Nossa Senhora das Mercês, São Miguel Arcanjo, Anjo da Guarda. Setembro precisaria ter 40 dias para caber, dia a dia, toda a são-joanense liturgia. Ser trinta por cento maior. Os sinos não param. A orquestra canta continuamente. Aqui e ali, foguetes estouram sua alegria e fogos de artifício riscam o céu. Anjos infantis dobram esquinas, em meio a brancas nuvens de incenso e de algodão doce. As bandas tocam marchas alegres, enquanto

Ninguém duvida: em São João del-Rei os sinos falam! Quer entender o que eles dizem?

A intimidade de São João del-Rei com os sinos não é de hoje. Logo nos primeiros anos de surgimento do Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes, o sino já andava falando entre os forasteiros que vieram a ser os primeiros são-joanenses. Bem, como ainda nenhuma igreja havia sido construída neste vale da Serra do Lenheiro, na verdade quem falava era uma sineta, hoje parte do acervo do Museu de Arte Sacra. Desde então, no peito dos são-joanenses bate um sino. Ao longo de três séculos desenvolveu-se uma linguagem sineira rica, complexa, bela e sofisticada, eficaz para transmitir informações em uma época em que não havia, no início do Ciclo do Ouro, nos arraiais em nascimento, nenhuma alternativa para a comunicação de massa. Assim, eram os sinos que cumpriam este papel. Informavam horas, datas e eventos religiosos, bem como as circunstâncias mais diversas, como dificuldade no parto, agonia, morte e sepultamentos. De lá para cá, muita água passou sob as pontes do Ro

Mágicos talismãs sonoros de São João del-Rei, a mais barroca cidade de Minas

Engana-se quem pensa que a única finalidade dos sinos de São João del-Rei, além de compor as torres das belas igrejas barrocas, é informar e anunciar, em linguagem setecentista, as horas, missas, novenas, quinquenas, trezenas, tríduos, ofícios, procissões, partos difíceis, agonias, mortes e sepultamentos. Ao darem vida e enriquecerem a tão singular sonoridade são-joanense, eles desempenham outra função, pouco conhecida na própria cidade. São talismãs sonoros que, ao dobrarem e repicarem, lançam céu afora, em forma de notas musicais, proteção contra tormentas e desejo de ventura, até os limites onde seu som, mesmo morrendo, alcança. Esta missão lhes é confiada no momento em que, antes de serem elevados pela primeira vez à torre, recebem a bênção do batismo e também o nome. A oração, rezada para o sino São João da Cruz, que este ano subiu para uma torre da igreja do Carmo, diz o seguinte:           " Que dos lugares onde ressoar este sino             se afaste para longe