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Mostrando postagens de março, 2014

Semana Santa / Festa de Passos. Andam faltando anjos no céu de São João del-Rei?

A brisa suave de outono, as orquídeas, as hortências, o verde brilhoso das folhas das árvores, o céu azul, as quaresmeiras arroxeadas, o bando de andorinhas que corta a tarde crepuscular no Largo do Rosário, a Serra do Lenheiro roxodistante... Este é o cenário natural em que acontecem, em São João del-Rei, as "Solenes Celebrações dos Passos de Nosso Senhor Jesus Cristo a Caminho do Calvário", ou simplesmente a Festa de Passos, como é mais conhecida. É a mais extensa celebração da Quaresma na "terra onde os sinos falam" e, sem sombra de dúvidas, uma das mais tocantes. Ao que tudo indica, a que mais se manteve fiel a tudo o que a caracterizava no século XVIII, quando foi fundada a Irmandade de Nosso Senhor Bom Jesus dos Passos. O toque dos sinos enfeitados com penachos de longas fitas de papel crepom roxo, que se desprendem dos badalos e voam, povoando os ares de tons melancólicos e comoventes. Os motetos e cânticos barrocos. Os andores velados, forrados com man

Encomendação de Almas entrega música e oração aos mortos na noite de São João del-Rei

Tradição bicentenária de São João del-Rei, mantida com grande mistério até os dias atuais, as Encomendações de Almas são cortejos que, em hora próxima da meia-noite, percorre várias ruas da cidade, parando sete vezes em encruzilhadas, portões de cemitérios, cruzeiros e portas de igreja. Realizadas exclusivamente no tempo da Quaresma, por ocasião da Festa de Passos, podem acontecer em três sextas-feiras consecutivas ou em uma única semana, em dias alternados - segunda, quarta e sexta-feira. Lembrando rituais muito antigos, mais se parecem com enterros noturnos do que com procissões. Não é conduzida por padres, mas por um homem mais velho, respeitável e respeitado por todos, que puxa o terço durante todo o trajeto e, nas sete paradas de cada Encomendação, faz orações - ora em latim, ora em português -, como a chamar as almas e entregar-lhes cantos, lembranças, lamentos e orações. Nestas horas, ouve-se o bater da matraca e músicos executam os Motetos dos Passos, compostos há

Festa de Passos: São João del-Rei além dos séculos, amém!

Por mais que o mundo digital, com suas teias, estenda redes que rompem tempo e espaço, cyberpadronizando o mundo, o espírito de São João del-Rei não se dilui nem se apaga. Cultura que são, a arte e a fé perpetuam emoções e sentimentos que vencem séculos, transmitidos sensorialmente em cores, sons, aromas, texturas, sabores, ritmos.  Tanto em 1906 (foto acima) quanto nos dias de hoje (abaixo, foto de 2013), em São João del-Rei a manhã do Domingo de Passos sopra a mesma brisa, irradia a mesma luz de outono, as orquídeas exalam o mesmo perfume, o incenso asperge a mesma nuvem perfumada, os sinos lançam aos ares os mesmos dobres e as mesmas fitas roxas de papel crepom. Bate no peito o mesmo coração perene. Em São João del-Rei a eternidade renova seu ciclo imemorial a cada minuto do dia a dia. Leia também http://diretodesaojoaodelrei.blogspot.com.br/2014/04/aquarela-da-festa-de-passos-em-sao-joao.html Imagens: Reprodução de foto (1906) do programa da Fes

A mítica e a mística popular na Quaresma de São João del-Rei

Antigamente, a Quaresma era um tempo tenebroso em São João del-Rei. Acreditavam os mais velhos que no Carnaval o Diabo era solto da prisão do Inferno e desde então ficava vagando pela Terra até o momento em que se comemorasse, com sinos e com foguetes, o Aleluia. Relacionavam este período aos quarenta dias em que Jesus jejuou no deserto e foi tentado por Satanás. A partir da Quarta-feira de Cinzas, cessavam os bailes nos clubes. Nas casas, os radios funcionavam em volumes mais baixos e não raramente as pessoas evitavam fazer barulho, batucar, cantar e até falar alto, em compaixão e respeito àquele que, no final dos quarenta dias, todo ano é crucificado. Era comum praticar jejuns curtos e voluntários, assim como em hipótese alguma se deveria comer carne às sextas-feiras, substituindo este alimento por ovo ou sardinha em lata. Os mais penitentes estendiam  este sacrifício também para as segundas e quartas-feiras. Bebidas alcóolicas, convinha evitá-las ao máximo. Era comum contar c

Em São João del-Rei, fraternalmente, a alegria é irmã da tristeza e as duas, civilizadamente, se respeitam

Ideal de respeito às diferenças e fraternidade, em São João del-Rei a alegria e a tristeza se reconhecem como irmãs e de vez em quando se revezam na ciranda que são os dias e as noites no vale da Serra do Lenheiro. Cada uma justifica a existência da outra, acentuando seu brilho ou obscuridade. Evidenciando esta peculiaridade, o jornal Folha de S. Paulo noticiou uma homenagem que o sacerdote Padre Paiva recebeu na avenida, durante o desfile carnavalesco, das escolas de samba locais, enquanto seu corpo era velado na magnífica Matriz do Pilar. Clique no link abaixo e leia. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/155594-padre-homenageado-no-carnaval.shtml

Padre Paiva. O Patriarca da Fé, da Cultura e do Amor - Triunfo Eucarístico de São João del-Rei

Contrição. Este é, certamente, o sentimento que envolve o coração de São João del-Rei neste entardecer de domingo. Mesmo que tivesse o tamanho do universo, a cidade seria pequena para o volume de amor que os são-joanenses trazem no peito para ofertar a Padre Paiva na missa que começará daqui a meia hora, em memória do sétimo dia de sua morte. Sebastião Raimundo de Paiva. Tatão, para as crianças de sua infância, no chalé da Rua Santo Antônio, altura dos números quinhentos. A ele, poderia-se dizer que São João del-Rei muito deve. Mas isto não é verdade. Quem a ele muito deve é a humanidade, pelo que ele sabiamente conseguiu manter das tradições religiosas setecentistas da cidade onde os sinos falam e os homens antigos ainda entendem. Sem sua sabedoria, discernimento, temperança, habilidade, amor cristão, patriotismo, cidadania, convicção e firmeza de caráter, entre outras qualidades e habilidades, com certeza não se conheceria mais liturgias como os Ofícios de Ramos e de Trevas,

Na Semana Santa barroca de São João del-Rei ouve-se em Via Sacra : Senhor Deus, misericórdia!

Nesta primeira sexta feira da Quaresma, o sino da Irmandade de Bom Jesus dos Passos já dobrou várias vezes, avisando aos são-joanenses que hoje é dia de Via Sacra solene. Nas ruas coloniais do centro histórico, os "passinhos" - como são conhecidas na cidade as capelas-oratório de uma grande porta de madeira  e acabamento barroco encimado por uma cruz de pedra - já tiveram seus entalhes dourados espanados com cuidado. O altar já está forrado por um tecido de cetim roxo e toalha de bordado antigo, no qual repousam castiçais e jarras de flores, ladeando imagens de Cristo crucificado ou com cruz às costas. Entre o esgotamento e o cansaço do carnaval e o consternamento pela morte do grande patriarca da preservação da liturgia barroca nas tradições religiosas de São João del-Rei, o povo são-joanense não espera a hora de, no começo do anoitecer de hoje sair às ruas, acompanhando a cruz da qual pende um lençol branco conduzida pela Irmandade dos Passos, e de tempos em tempos, a

Semana Santa São João del-Rei 2014 - O sem-fim que existe dentro de cada um

Terça-feira Gorda, 9 horas da noite, São João del-Rei. O Carnaval ainda ferve, na euforia desesperada que busca prolongar o fôlego dos últimos momentos de prazer, paixão e desvairios, mas na Matriz do Pilar o sino da Irmandade do Santíssimo Sacramento, indiferente a este anseio da carne, dobra o Toque de Cinzas. Bastará escorrer mais um oitavo das horas do dia e já será Quaresma. É possível que às 6 da manhã, quando as padarias abrirem com seu cheiro de pão quentinho e os primeiros trabalhadores já apressem o passo para enfrentarem sua rotina, em algum recanto de praça ainda se ouça um repique perdido, o falar sozinho e rouco de um bêbado retardatário à procura do caminho de casa e o ronco de alguém que não resistiu ao duelo com o álcool e tombou, inconsciente, diante de sua ilusória ousadia. Com certeza às 6 da manhã, quando o sol nascer, já vai encontrar na Matriz do Pilar muitos devotos, fiéis, contritos, recebendo na testa imposição de cinza benta, ante a eloquente convocaçã