Faz mais de 300 anos que São Miguel Arcanjo chegou a São João del-Rei, ainda Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes. Aqui, ele viu o ouro brotar da terra e, por cobiça humana, facões e espadas crisparem seus metais, acendendo no ar raios e relâmpagos. Arcabuzes lançarem pólvora e estouro de trovão e até o Córrego do Lenheiro correr tinto de sangue na Guerra dos Emboabas. Há quem diga que, sinal de sua força e poder, ele escapou das chamas que incendiaram a primitiva capela de Nossa Senhora do Pilar, no Morro da Forca, saindo a salvo na companhia de seu vizinho, o guerreiro e mártir São Sebastião.
Vencidas as chamas e abrandado o calor das pedras em brasa, em 1716 São Miguel criou seu exército humano na recém-criada Vila de São João del-Rei: a Irmandade de São Miguel e Almas. Desde então, toda segunda-feira é saudado com uma missa vespertina e no mês de setembro festejado com muita oração e especial louvor. Depois de um tríduo noturno, de leituras e cânticos barrocos, na quarta noite, dia 29, São Miguel sai sobre andor em revista às ruas, largos, ladeiras, vielas e becos do centro histórico de São João del-Rei, dobrando esquinas, cruzando encruzilhadas, rondando cantos e recantos, para certificar-se de que em toda parte brilha a luz eterna e espantar para longe, de onde for preciso, o príncipe das trevas e das enganadoras artimanhas, que põem a perder as almas.
São Miguel é muito querido dos autênticos são-joanenses, que em respeito ao seu nome não lhe invocam em quase momento algum. Os antigos, na sua fé inabalável, acreditavam que, se chamado, não era impossível comparecer em imediato socorro. Por isso, como escudo contra o Inimigo, tinham dele em casa imagem ou estampa e, sempre ao alcance da mão, ou como patuá no pescoço, a Oração de São Miguel, muito forte para afastar a presença maligna e resgatar a paz de Deus.
Para os são-joanenses, São Miguel Arcanjo tudo pode. Na Matriz do Pilar, seu altar fica do lado direito do arco-cruzeiro e honraria igual só tem Nossa Senhora da Boa Morte, no lado esquerdo. Se por um lado cabe a ele manter preso Satanás no Inferno, o que faz em São João del-Rei tendo à mão direita a Cruz de Cristo e o estandarte vermelho da Santíssima Trindade, por outro, na porta do Céu, ele pesa as virtudes e vícios humanos na balança que tem à mão esquerda, para conferir, segundo aqueles méritos, qual será o destino das almas que, ao deixar o corpo e a Terra, ali chegam.
Post Scriptum - A presença de São Miguel na vida do povo de São João del-Rei é tão representativa e democrática como expressão de fé e religiosidade que no alto da antiga Rua São Miguel, arredores da igreja das Mercês, há incontáveis décadas funciona o Centro Espírita Kardecista São Miguel Arcanjo. A autêntica cultura são-joanense é verdadeira quanto à pratica de seus princípios humanistas e ecumenicamente evoluída quanto ao respeito à diversidade religiosa.
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