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Menos penitência e mais persistência no barroco popular e ecológico de São João del-Rei


Barroco, em São João del-Rei, não é apenas um estilo artístico. É uma jeito de ver o mundo, um modo de viver. Assim sendo, barroco, em São João del-Rei, não é somente uma manifestação estática, presa aos templos e a espaços artístico- culturais. Ela volta e meia se mostra nas ruas – até nas mais afastadas -, mesmo quando menos se espera.
Isto se viu ontem (6 de abril) na Via Sacra realizada na Bica da Prata, bairro popular, situado nas proximidades do centro, historicamente importante para São João del-Rei: ali era área de mineração e por isso, existe, ainda hoje, no fundo do “terreiro” de várias casas, betas e galerias de onde era extraído ouro.
Primeiro, foi celebrada uma missa diante de um oratório de pedra e ao lado de uma cascata, em uma pequena área ecológica no final da Rua Padre Faustino. Lugar ideal para o início de um culto quaresmal inspirado no tema da Campanha da Fraternidade 2011 – Amor e zelo para com o planeta. Depois, de sob altas figueiras, de entre lírios campestres brancos e perfumados, saiu a grande Cruz da Penitência, de madeira escura, com lençol branco, e atrás dela um cortejo composto por quase cem pessoas.
O templo era o próprio percurso. A pintura do teto, o céu aberto, estrelado. Os altares esculpidos, as janelas de algumas casas, com crucifixos, imagens de santos, toalhas bordadas, estampas, velas. Não havia motetos coloniais nem orações em latim, mas na cascatinha, sapos e grilos cantavam em coro. Na caminhada, as pessoas cantavam orações lembrando a Paixão de Cristo, o Amor de Maria Santíssima, a responsabilidade para com a natureza e o sofrimento do planeta.
Homens, mulheres, crianças, jovens, velhos, casais, solteiros, solitários, viúvos – todos com o coração flamejante - abriram um rasgo na noite estrelada, nos programas de televisão, no cansaço de um dia de trabalho ou de espera, para professar a esperança e o compromisso com um mundo melhor. Naturalmente barroco. Espontaneamente ecológico. Com menos penitência e mais persistência. E muito paciência. Num bairro central de São João del-Rei.

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