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Romanceiro da Inconfidência - Carta anônima aterroriza São João del-Rei


Em Minas, abril é tempo de Inconfidência. Em São João del-Rei, que era a sede da Comarca do Rio das Mortes no século XVIII, mais ainda. Afinal, esta vila foi das mais ativas no movimento libertário, inclusive tendo aqui nascidos e sido batizados o líder Tiradentes e a heroína Bárbara Heliodora.

Os registros da importância de São João del-Rei na Inconfidência Mineira não estão apenas nos documentos históricos oficiais. A poetisa Cecília Meireles, que escreveu o Romanceiro da Inconfidência - sem dúvida a mais grandiosa e importante obra poética sobre a Inconfidência de Minas Gerais - dedicou um capítulo exclusivamente a esta cidade, na época Vila de São João. Mas no contexto geral da narrativa, ela descreve, no poema transcrito abaixo, um fato apavorante aqui acontecido: a chegada de uma carta anônima, anunciando dias de apocaliptico terror. É o Romance XXV, ou
Do Aviso Anônimo


        Veio uma carta de longe,
      não se sabe de que mão.
      Atravessou esses campos,
      caiu como flor ao vento
      sobre a Vila de São João.
     
      Correi, senhores da terra,
      Ouvidor e Coronéis,
      enterrai vossas riquezas,
      mandai para longe os trastes,
      escondei vossos papéis.
     
      Veio uma carta de longe.
      Aproximai-vos e ouvi:
      fala de rios propínquos,
      rios de lágrima e sangue
      que vão correr por aqui.
     
      Parte, cabra, vai-te embora,
      vai levar a teu patrão
      as notícias que chegaram
      sobre a desgraça que cerca
      este povo de São João.
     
      Veio uma carta de longe.
      O que dizia, não sei.
      há calúnias, há suspeitas..
      (Vede as janelas fechadas! .
      Confabulam! Querem Rei!)
     
      Escondei jóias e alfaias!
      (Que tropa é que vai chegar?)
      Parece que vão ser presos
      os grandes, os poderosos,
      os donos deste lugar.
     
      Veio uma carta de longe.
      Abriu-se muito colchão,
      queimou-se o que estava escrito,
      escreveu-se o que era falso,
      nesta Vila de São João.
     
      E o Lenheiro vai correndo
      como fita de cristal
      sobre as pedras, sob as pontes,
      entre o rumor e o silêncio
      do sobressalto geral.
     
      Veio uma carta de longe.
      - Fortes ecos tem a dor!
      que os escravos já souberam,
      no fundo de suas brenhas
      desse aviso de terror . . .
     
      Mas os meninos risonhos
      pelas varandas estão
      - quase órfãos! - mirando as nuvens,
      como os belos anjos de ouro
      das igrejas de São João.


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Ilustrações: detalhe de escultura quebrada do Cemitério das Mercês (foto do autor)

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