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Em São João del-Rei não se duvida: há 250 anos, Tiradentes bem andou pela Rua da Cachaça...

As ruas do centro histórico de São João del-Rei são tão antigas que muitas delas são citadas em documentos datados das primeiras décadas do século XVIII. Salvo poucas exceções, mantiveram seu traçado original, o que permite compreender como era o centro urbano são-joanense logo que o Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes tornou-se Vila de São João del-Rei.

O Largo do Rosário, por exemplo, atual Praça Embaixador Gastão da Cunha, surgiu antes mesmo de 1719, pois naquele ano foi benta a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, nele situada e que originalmente lhe deu nome. Também neste ano já existia o Largo da Câmara, hoje, Praça Francisco Neves, conforme registro da compra de imóveis naquele local, para abrigar a sede da Câmara de São João del-Rei. A Rua Resende Costa, que liga o Largo do Carmo ao Largo da Cruz, antigamente chamava-se Rua São Miguel e, em 1727, tinha lojas legalizadas, funcionando com autorização fornecida pelo Senado da Câmara daquela Vila colonial.  Por pouco, dez anos depois não foi construída ali a cadeia pública edificada no Largo do Rosário, em frente à capela da Piedade.

Mal-afamada até os idos de 1980, a Rua da Cachaça, hoje denominada Marechal Bitencourt, ao que parece, desde o século XVIII esteve na boca do povo. Tanto que foi citada até nos Autos da Devassa - documento constituído por depoimentos de pessoas que tiveram envolvimento direto com a Inconfidência Mineira. Consta que o português Manoel Moreira ali residia e tinha taberna, conforme declarou e está registrado nos inquéritos relativos à condenação do movimento libertário encabeçado por Tiradentes. Diante deste fato, teria o grande herói são-joanense frequentado tal taberna, difundindo ali - com  inflamante entusiasmo - seus ideais de liberdade, e por isso o taberneiro acabara comprometido?

Com a decadência e fim da zona de prostituição que ali funcionava, a Rua da Cachaça por muito tempo foi desvalorizada e quase acabou em ruínas. Porém, especialmente na última década, tem sido revalorizada como cenário histórico e se tornado objeto de restauração e revitalização, instalando-se ali importantes instituições culturais e turísticas, como o Centro de Referência Musical José Maria Neves, a sede da Orquestra Popular Livre, o Centro Cultural Feminino, o escritório da Trilha dos Inconfidentes e até uma pousada. Mas ainda tem casarões a se reformar, ideais para abrigar cafés, livrarias, restaurantes típicos, lojas de artesanato e tudo o que junta, no mesmo balaio, cultura, saber, lazer e prazer.
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Ilustração: Rua da Cachaça, rumo ao solar da Baronesa (foto do autor)

Fonte: CINTRA, Sebastião. Revista do IHGSJDR. Vol. VI, pags. 5 a 25. ZAS Gráfica e Editora. Juiz de Fora. 1988.

Comentários

  1. Emilio, estou sempre acompanhando as matérias e as histórias de São João Del Rey no seu blog! Assim, consigo matar um pouco da saudade que sinto desta encantadora cidade. abraços e sempre de parabéns

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  2. Valeu, Paulo, bom saber que você está sempre navegando por aqui.

    Quanto à "saudade da encantadora cidade", visite-a mais. Saiba que São João del-Rei é de todos que lhe sabem bem amar.

    Grande abraço.

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  3. Meu nome é Ivan e participei das comemorações do aniversario de 250 anos de São João del rei, 1963, com as presenças do então primeiro ministro Tancredo Neves, do Presidente João Goulart. Gostaria de saber como tenho acesso ao arquivo fotográfico da época. Obrigado!

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  4. Oi Ivan, então você participou daquele momento histórico! Com certeza deve ter muito para contar para fazermos uma matéria para este almanaque eletrônico. Está aceito o convite?

    Sobre o arquivo fotográfico, como teve presença de Jango, possivelmente você encontre no arquivo histórico da Presidência da República e do Governo de Minas. Não sei se a Prefeitura possui esta documentação ou se, possuindo, está organizada.

    O Memorial Tancredo Neves também é outra fonte a ser pesquisada, assim como os acervos particulares dos fotógrafos são-joanenses da época e até dos jornais de Minas e do Rio de Janeiro.

    Para contato direto, o e-mail deste almanaque eletrônico é emiliosjdelrei@gmail.com. Espero ter sido útil nesta resposta e espero sempre suas visitas a este canal de divulgação da história de SJDR.Grande abraço. Emilio.

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  5. Respostas
    1. Obrigado, Robert. Conto com você para ajudar a torná-lo mais conhecido, divulgando para seus amigos. Novamente, muito grato.

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  6. Saudades dessa Rua, que nos anos 60 e 70, era conhecida por três nomes: Rua da Cachaça, Rua Marechal Bittencourt(oficial) e Rua da Zona(tradicional). Lembro-me das Boates do Eloy(mais chique e tradicional) e do Zé do Vandico, que também tinha um bar na Rua. Também tenho na memória, as meretrizes Jandira(a rainha), Lia, Elizete, Lourdes, Nadir, Nair Pintado, Ondina, Gracinha, entre outras. Ondinha e Gracinha são as únicas estão vivas e moram ainda em São João. Tenho lembranças dos Leões de Chácara que trabalhavam principalmente para a Boate do Eloy, os quais eram Preto, Pedrinho e Zé Firmino. A Rodoviária era próxima da Zona, e as Donzelas, quando iam embora de procurar outra vida, já pegavam o ônibus e, na maioria das vezes, iam para São Paulo, descendo na Rodoviária Júlio Prestes, hoje região da Cracolândia.
    Saudades, saudades e saudades. Eta época boa, com o clássico Minas x Atletic, belos carnavais, Zona Querida e o centro recheado de bares.

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