Pular para o conteúdo principal

Irmandade das Mercês de São João del-Rei: zelar da alma, sem esquecer do corpo nem da liberdade!

Seria hoje em São João del-Rei um sábado comum, não fosse 24 de setembro - dia de Nossa Senhora das Mercês. Dia de grande festa, que começou antes mesmo do sol nascer: alvorada festiva às 5 horas da manhã, com banda de música,  toque de sinos, foguetório. Mais tarde, missa barroca cantada pela setecentista Orquestra Lira Sanjoanense, que terminou perto de meio-dia. As celebrações continuam durante toda a tarde, até encerrar-se noite adentro, com grande e grandiosa procissão,na qual Nossa Senhora das Mercês, em andor enfeitado de cravos brancos, percorre lentamente e é saudada nas mais importantes ruas do centro histórico. Aqui, há quase trezentos anos é assim, pois tudo começou quando, em 1740, foi criada a Irmandade de Nossa Senhora das Mercês dos Pretos Crioulos da Vila de São João del-Rei.

Tratava-se de uma instituição democrática que, além dos pretos crioulos e negros escravos, também acolhia homens brancos - afinal, na sociedade mineradora do século XVIII, era grande o número de brancos que, aventureiros sem sucesso, viviam à margem de tudo e na mais profunda miséria. A Irmandade das Mercês desde sua origem tinha uma visão abrangente do que é a felicidade humana, entendida aí nas dimensões espiritual, humana e material. Por isso, além de zelar da vida espiritual dos "irmãos" e garantir-lhes sepultamento digno, também reunia fundos para alforriar escravos e assistir socialmente os que estivessem sofrendo privações e necessidades.

No mesmo ano da fundação da irmandade se iniciaram os esforços para a construção da primitiva capela de Nossa Senhora das Mercês, já mencionada, em 1751, na "História da Vila de São João del-Rei", escrita pelo sargento-mor José Álvares Maciel, como uma edificação arrendondada, semelhante à Rotunda de Roma.  Não se conhece vestígios desta construção nem desenhos ou esboços que permitam visualizar o edifício religioso que Maciel relatara.

O Compromisso (estatuto) da Irmandade, elaborado em 1765, foi aprovado em 1806 por Dom João, então Príncipe Regente de Portugal e mais tarde Rei Dom João VI. Crescendo em importância institucional tanto na estrutura hierárquica da Igreja quanto na sociedade são-joanense, em 1841 a Irmandade foi elevada à condição de Confraria e, em 1885, à categoria de Arquiconfraria - hoje das mais importantes e respeitadas no ambiente religioso e social de São João del-Rei.

Muito graciosa e construida no alto de uma colina, a igreja de Nossa Senhora das Mercês se destaca na paisagem do centro histórico de São João del-Rei. Primitivamente construída por volta de 1740, foi amplamente reformada em 1808 e, depois, em 1877, quando teve a fachada desenhada pelo célebre pintor do teto das igrejas são-joanenses, Venâncio José do Espírito Santo. Os altares são obra esculpida pelo artista e famoso compositor barroco oitocentista Luiz Batista Lopes. Sua inauguração foi momento tão importante que inspirou o compositor são-joanense, Padre José Maria Xavier, na obra Vésperas Solenes de Nossa Senhora das Mercês.

Hoje, Irmandade, igreja e festa de Nossa Senhora das Mercês são jóias preciosas no tesouro da memória afetiva, sentimental, cultural e espiritual de São João del-Rei. Tesouro que cada vez mais, mais que ouro, é valioso e reluzente...

Veja, abaixo, dois momentos da procissão de Nossa Senhora das Mercês. No primeiro, o andor - logo após enfeitado - é levado para dentro da igreja e, no segundo, a chegada da procissão.



Leia mais sobre a Festa das Mercês em São João del-Rei acessando
http://diretodesaojoaodelrei.blogspot.com/2011/09/sao-joao-del-rei-em-estado-de-graca-e.html
http://diretodesaojoaodelrei.blogspot.com/2011/09/setembro-primavera-da-religiosidade-em.html
..........................................................................
Fonte: http://nossasenhoradasmerces24.blogspot.com/p/breve-historico-da-veneravel.html

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Debaixo de São João del-Rei, existe uma São João del-Rei subterrânea que ninguém conhece.

Debaixo de São João del-Rei existe uma outra São João del-Rei. Subterrânea, de pedra, cheia de ruas, travessas e becos, abertos por escravos no subsolo são-joanense no século XVIII, ao mesmo tempo em que construíam as igrejas de ouro e as pontes de pedra. A esta cidade ainda ora oculta se chega por 20 betas de grande profundidade, cavadas na rocha terra adentro há certos 300 anos.  Elas se comunicam por meio de longas, estreitas e escuras galerias - veias  e umbigo do ventre mineral de onde se extraíu, durante dois séculos, o metal dourado que valia mais do que o sol. Não se tem notícia de outra cidade de Minas que tenha igual patrimônio debaixo de seu visível patrimônio. Por isto, quando estas betas tiverem sido limpas e tratadas como um bem histórico, darão a São João del-Rei um atrativo turístico que será único, no Brasil e no mundo. Atualmente, uma beta, nas imediações do centro histórico, já pode ser visitada e percorrida. Faltam outras 19, já mapeadas, dependendo da sensi

Em São João del-Rei não se duvida: há 250 anos, Tiradentes bem andou pela Rua da Cachaça...

As ruas do centro histórico de São João del-Rei são tão antigas que muitas delas são citadas em documentos datados das primeiras décadas do século XVIII. Salvo poucas exceções, mantiveram seu traçado original, o que permite compreender como era o centro urbano são-joanense logo que o Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes tornou-se Vila de São João del-Rei. O Largo do Rosário, por exemplo, atual Praça Embaixador Gastão da Cunha, surgiu antes mesmo de 1719, pois naquele ano foi benta a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, nele situada e que originalmente lhe deu nome. Também neste ano já existia o Largo da Câmara, hoje, Praça Francisco Neves, conforme registro da compra de imóveis naquele local, para abrigar a sede da Câmara de São João del-Rei. A Rua Resende Costa, que liga o Largo do Carmo ao Largo da Cruz, antigamente chamava-se Rua São Miguel e, em 1727, tinha lojas legalizadas, funcionando com autorização fornecida pelo Senado da Câmara daquela Vila colonial.  Por

Padre José Maria Xavier, nascido em São João del-Rei, tinha na testa a estrela da música barroca oitocentista

 Certamente, há quase duzentos anos , ninguém ouviu quando um coro de anjos cantou sobre São João del-Rei. Anunciava que, no dia 23 de agosto de 1819, numa esquina da Rua Santo Antônio, nasceria uma criança mulata, trazendo nas linhas das mãos um destino brilhante: ser um dos grandes - senão o maior - músico colonial mineiro do século XIX . Pouco mais de um mês de nascido, no dia 27 de setembro, (consagrado a São Cosme e São Damião) em cerimônia na Matriz do Pilar, o infante foi batizado com o nome  José Maria Xavier . Ainda na infância, o menino mostrou gosto e vocação para música. Primeiro nos estudos de solfejo, com seu tio, Francisco de Paula Miranda, e, em seguida dominando o violino e o clarinete. Da infância para a adolescência, da música para o estudo das linguas, José Maria aprendeu Latim e Francês, complementando os estudos com História, Geografia e Filosofia. Tão consistente era seu conhecimento que necessitou de apenas um ano para cursar Teologia em Mariana . Assim, j