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No Carnaval de São João del-Rei, não tem "Surpresa". "Tudo é Ilusão". Triângulo amoroso no samba.



Não é segredo para ninguém. Mesmo nas melhores famílias, de vez em quando um triângulo amoroso acontece, transformando em infortúnio e desgosto uma história de amor que tinha tudo para chegar ao final feliz. A vida é assim. Ainda mais quando o samba está por perto. Que o digam Paulinho da Viola, João Bosco, Chico Buarque e Aldir Blanc.

Há tempos atrás, um estranho triângulo amoroso aconteceu em São João del-Rei e, certamente, o fato ainda hoje é lembrado por são-joanenses que já cruzaram a faixa dos cinquenta anos. Os personagens? O compositor-coveiro-carnavalesco Agostinho França, a música Surpresa e a indústria fonográfica.

Para os são-joanenses o samba Surpresa, normalmente cantado nos desfiles carnavalescos dos anos sessenta como hino da Escola de Samba Depois Eu Digo, fora composto por Agostinho França. Tanto que a letra, conhecida de cor na cidade pelos mais antigos, finalizava com a sequinte quadra:
 
                            "Toda vida trago comigo
                             a Escola de Samba Depois Eu Digo.
                             Será sempre imitada
                              mas nunca será igualada!"

Para surpresa geral (o trocadilho é propositado), nos anos setenta, Surpresa mudou de cidade e de nome. Como quem foge sorrateiramente e não quer ser reconhecido, passou a se chamar Tudo é Ilusão. Escolheu o Rio de Janeiro como novo domicílio. De lá, correu o Brasil na voz de Clara Nunes e de Dalva de Oliveira, declarando ser fillha de Anibal Silva, Eden Silva e Tufir Lauar - seus autores / compositores oficiais. O verso-homenagem à escola de samba, órfão abandonado, coitado, ficou em São João del-Rei. Abandonada também ficou a paternidade de Agostinho França.

Volta e meia Tudo é Ilusão é regravada, como o foi há pouco tempo, na voz da grande cantora Teresa Cristina. E de tempos em tempos continuará sendo, tamanha sua beleza poética e melódica. Seguirá correndo o Brasil e o mundo. Mas para São João del-Rei continuará sendo a ingrata e querida filha pródiga chamada Surpresa que, sem retorno nem saudade, abandonou para sempre o coração e os carinhos do negro pai Agostinho França - Deus o tenha, o conforte e o recompense...


Ouça, no link abaixo, uma montagem da gravação de Tudo é Ilusão (para nós, Surpresa!), nas vozes de Dalva de Oliveira e de Clara Nunes.

Comentários

  1. Alguns historiadores contestam o fato. Mas para mim são-joanense, essa é uma daquelas verdades que não me importa. Quando eu ouvir o belo samba 'Tudo é ilusão' vou comentar com quem estiver ao lado: "Este samba é de um compositor são-joanense, Agostinho França, e foi copiado" assim como me foi contado!
    Em tempo, Agostinho França é citado no samba do Bloco unidos do Cambalhota deste ano "Alma barroca, sagrada e profana" http://www.unidosdacambalhota.com.br/ ouça o samba, acho que vai gostar. Foi inspirado na crônica do 'Ambição Literária' http://ambicaoliteraria.blogspot.com/2011/03/alma-barroca-sagrada-e-profana.html
    Importa que Agostinho França foi um grande compositor e merece ser lembrado!
    Bom carnaval para vc Emilio e para todos leitores do blog!
    Abraços, KK

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  2. O tempo também se incumbe de moldar testemunhos e versões, sem excluir a essência das memórias dos grandes carnavais de São João del Rei e seus saudosos protagonistas e personagens.
    Tive o privilégio de cantar na companhia do compositor Agostinho França e seu parceiro carnavalesco Pistilin.
    Eu, muito jovem ainda naquela época.
    Deixo aqui uma ressalva na estrofe da nossa pérola "Surpresa" que cantei muitas vezes acompanhado pelo autor.
    "O prazer que trago comigo
    É a Escola de Samba Depois eu Digo.
    Será sempre imitada,
    Mas nunca será igualada,"

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