Pular para o conteúdo principal

Semana Santa de São João del-Rei. O arauto da música barroca. De motetos, lamentos e misereres


Hoje em São João del-Rei, várias vezes, o sino dos Passos, na Matriz do Pilar, dobrará anunciando que, à noite, tem a segunda Via Sacra de rua.Tradição muito antiga, o cortejo se arrasta pelas ruas coloniais do centro histórico, parando nos passinhos de pedra e arte, para que o crucificado repouse no altar, ouvindo a Orquestra Ribeiro Bastos cantar motetos barrocos.

Durante muitas décadas, em tempos passados, atraía  os são-joanenses acompanhar o homem humilde, gente do povo que, de terno preto e cabelo branco, era figura importante nas procissões da Quaresma e Semana Santa.

Seu breve retrato foi colhido no poema Sexta Estação, do livreto inédito A Paixão segundo São João (del-Rei):

"Como o santo em silêncio levava às costas a imensa cruz,
sua sina era carregar o contrabaixo da orquestra,
de Passinho em Passinho, da Matriz, à Matriz.

Se para muitos carregar tão grande carga
soava como castigo,
para ele era prestígio.
Ato muy digno, motivo de orgulho:
'... a música anda pelas minhas pernas,
conduzida pelas minhas mãos ...'

De Via Sacra em Via Sacra,
da Procissão do Encontro
ao caminhar das Lágrimas,
chegava-se à Sexta Feira da Paixão.
Estandartes, andores, lanternas brilhantes,
varas de pálio bordado a ouro, coroas, espadas,
tochas acesas, estigmas, insignias, matracas.
Na solene Procissão do Senhor Morto
cada um ostentava publicamente sua vaidade.

Sem o contrabaixo, de encruzilhada em encruzilhada,
antes de tudo ele abria alas, conduzindo o banquinho da Verônica.
Pedestal humilde que lançava para o alto, muito além dos sete lados
o que durante o ano é canto mais ansiado e faz calar a multidão:
o lamento secular e a face ensanguentada do Senhor.

Comentários

  1. Respostas
    1. Pois é KK,

      estas pessoas anônimas fazem parte de nossa vida. Gostaria de saber alguma coisa sobre ele - nome, o que fazia quando não estava carregando o baixo nem o banquinho da Verônica - para escrever um post, ampliando este registro de memória (fiz esta foto no fim dos anos 70).

      Você não quer me ajudar nesta empreitada?

      Grande abraço!

      Excluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Debaixo de São João del-Rei, existe uma São João del-Rei subterrânea que ninguém conhece.

Debaixo de São João del-Rei existe uma outra São João del-Rei. Subterrânea, de pedra, cheia de ruas, travessas e becos, abertos por escravos no subsolo são-joanense no século XVIII, ao mesmo tempo em que construíam as igrejas de ouro e as pontes de pedra. A esta cidade ainda ora oculta se chega por 20 betas de grande profundidade, cavadas na rocha terra adentro há certos 300 anos.  Elas se comunicam por meio de longas, estreitas e escuras galerias - veias  e umbigo do ventre mineral de onde se extraíu, durante dois séculos, o metal dourado que valia mais do que o sol. Não se tem notícia de outra cidade de Minas que tenha igual patrimônio debaixo de seu visível patrimônio. Por isto, quando estas betas tiverem sido limpas e tratadas como um bem histórico, darão a São João del-Rei um atrativo turístico que será único, no Brasil e no mundo. Atualmente, uma beta, nas imediações do centro histórico, já pode ser visitada e percorrida. Faltam outras 19, já mapeadas, dependendo da sensi

Em São João del-Rei não se duvida: há 250 anos, Tiradentes bem andou pela Rua da Cachaça...

As ruas do centro histórico de São João del-Rei são tão antigas que muitas delas são citadas em documentos datados das primeiras décadas do século XVIII. Salvo poucas exceções, mantiveram seu traçado original, o que permite compreender como era o centro urbano são-joanense logo que o Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes tornou-se Vila de São João del-Rei. O Largo do Rosário, por exemplo, atual Praça Embaixador Gastão da Cunha, surgiu antes mesmo de 1719, pois naquele ano foi benta a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, nele situada e que originalmente lhe deu nome. Também neste ano já existia o Largo da Câmara, hoje, Praça Francisco Neves, conforme registro da compra de imóveis naquele local, para abrigar a sede da Câmara de São João del-Rei. A Rua Resende Costa, que liga o Largo do Carmo ao Largo da Cruz, antigamente chamava-se Rua São Miguel e, em 1727, tinha lojas legalizadas, funcionando com autorização fornecida pelo Senado da Câmara daquela Vila colonial.  Por

Padre José Maria Xavier, nascido em São João del-Rei, tinha na testa a estrela da música barroca oitocentista

 Certamente, há quase duzentos anos , ninguém ouviu quando um coro de anjos cantou sobre São João del-Rei. Anunciava que, no dia 23 de agosto de 1819, numa esquina da Rua Santo Antônio, nasceria uma criança mulata, trazendo nas linhas das mãos um destino brilhante: ser um dos grandes - senão o maior - músico colonial mineiro do século XIX . Pouco mais de um mês de nascido, no dia 27 de setembro, (consagrado a São Cosme e São Damião) em cerimônia na Matriz do Pilar, o infante foi batizado com o nome  José Maria Xavier . Ainda na infância, o menino mostrou gosto e vocação para música. Primeiro nos estudos de solfejo, com seu tio, Francisco de Paula Miranda, e, em seguida dominando o violino e o clarinete. Da infância para a adolescência, da música para o estudo das linguas, José Maria aprendeu Latim e Francês, complementando os estudos com História, Geografia e Filosofia. Tão consistente era seu conhecimento que necessitou de apenas um ano para cursar Teologia em Mariana . Assim, j