Pular para o conteúdo principal

Férias nos velhos tempos da infância em São João del-Rei


As redações - terror dos vestibulandos de hoje - eram uma prática comum desde o primeiro ano de alfabetização em São João del-Rei do século passado. Era um grande desafio, em um mundo então  concretamente minúsculo, aguçar a imaginação como guia para descrições que, falando de coisas não vividas e nem mesmo conhecidas, fossem um exercício de criatividade, narrando concretamente o que nem ainda era virtual.

Minas longe do mar, misteriosos, Minas e o mar. A televisão começando ainda a habitar as casas. Por isso, poucas crianças mineiras conheciam a praia, sequer podiam sonhar com sereias, conchas, estrelas do mar, tubarões, escafandristas, submarinos ou cavalos marinhos. Sabiam dos oceanos apenas pelos livros de Geografia.

Nas férias, alguns viajavam a visitar parentes na capital, a acompanhar os pais em viagem de trem ou ônibus a uma cidade vizinha. A maioria ficava mesmo era vasculhando o fundo dos quintais, observando a galinha chocar os ovos, a lagartixa a se esconder nos muros, vendo o fruto amadurecer aos poucos, no pé, pegando vaga-lumes para riscá-los na camisa em caudas de cometa, esperando os domingos, com sua macarronada, de tarde a matinê no cinema ou no circo, com picolé, drops e pipoca.

Tinha sorte quem podia fazer um passeio na roça, para visitar avô ou tios, brincar com primos, nadar nos rios, pescar nas lagoas e saudar  a vida que, recatada, ingênua e inocente, tinha medo de mudar para a cidade. Mas independente disso tudo, quando de novo chegava a hora de voltar às aulas, todos tinham uma história para contar, mesmo que mal tivessem se afastado de suas ruas.

A inspiração vinha de "gravuras" que, no flanelógrafo, estampavam alegres cenas da vida no campo, felizes piqueniques em família, sonhos de toda infância. Bastava isso para que descrevessem prazeirosamente o passeio que não fizeram no tempo do ócio, mas que faziam agora, na imaginação. Como na música Fazenda, que você pode ouvir abaixo, neste primeiro dia de julho - férias para muitos, alívio de infância para tantos.

Comentários

  1. As Minas são muitas e todas se encontram e são representadas na Mineiridade de seu povo. Muito bom Emílio!!! O tempo da minha infância em Pitangui, agradece. Um abraço.
    Léo

    daquidepitangui.blogspot.com

    ResponderExcluir
  2. Pois é, né Leo,

    na fome desta manhã azul de inverno, me lembrei do mingau de fubá, com lascas de canela.Na juventude de hoje, mesmo em Minas, quem o conhece e saboreia?

    Daí a gente vê a importância da memória; só ela eterniza, até o que é parece humilde e banal, como o mingau de fubá.

    Bom domingo!

    Emilio.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Debaixo de São João del-Rei, existe uma São João del-Rei subterrânea que ninguém conhece.

Debaixo de São João del-Rei existe uma outra São João del-Rei. Subterrânea, de pedra, cheia de ruas, travessas e becos, abertos por escravos no subsolo são-joanense no século XVIII, ao mesmo tempo em que construíam as igrejas de ouro e as pontes de pedra. A esta cidade ainda ora oculta se chega por 20 betas de grande profundidade, cavadas na rocha terra adentro há certos 300 anos.  Elas se comunicam por meio de longas, estreitas e escuras galerias - veias  e umbigo do ventre mineral de onde se extraíu, durante dois séculos, o metal dourado que valia mais do que o sol. Não se tem notícia de outra cidade de Minas que tenha igual patrimônio debaixo de seu visível patrimônio. Por isto, quando estas betas tiverem sido limpas e tratadas como um bem histórico, darão a São João del-Rei um atrativo turístico que será único, no Brasil e no mundo. Atualmente, uma beta, nas imediações do centro histórico, já pode ser visitada e percorrida. Faltam outras 19, já mapeadas, dependendo da sensi

Em São João del-Rei não se duvida: há 250 anos, Tiradentes bem andou pela Rua da Cachaça...

As ruas do centro histórico de São João del-Rei são tão antigas que muitas delas são citadas em documentos datados das primeiras décadas do século XVIII. Salvo poucas exceções, mantiveram seu traçado original, o que permite compreender como era o centro urbano são-joanense logo que o Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes tornou-se Vila de São João del-Rei. O Largo do Rosário, por exemplo, atual Praça Embaixador Gastão da Cunha, surgiu antes mesmo de 1719, pois naquele ano foi benta a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, nele situada e que originalmente lhe deu nome. Também neste ano já existia o Largo da Câmara, hoje, Praça Francisco Neves, conforme registro da compra de imóveis naquele local, para abrigar a sede da Câmara de São João del-Rei. A Rua Resende Costa, que liga o Largo do Carmo ao Largo da Cruz, antigamente chamava-se Rua São Miguel e, em 1727, tinha lojas legalizadas, funcionando com autorização fornecida pelo Senado da Câmara daquela Vila colonial.  Por

Padre José Maria Xavier, nascido em São João del-Rei, tinha na testa a estrela da música barroca oitocentista

 Certamente, há quase duzentos anos , ninguém ouviu quando um coro de anjos cantou sobre São João del-Rei. Anunciava que, no dia 23 de agosto de 1819, numa esquina da Rua Santo Antônio, nasceria uma criança mulata, trazendo nas linhas das mãos um destino brilhante: ser um dos grandes - senão o maior - músico colonial mineiro do século XIX . Pouco mais de um mês de nascido, no dia 27 de setembro, (consagrado a São Cosme e São Damião) em cerimônia na Matriz do Pilar, o infante foi batizado com o nome  José Maria Xavier . Ainda na infância, o menino mostrou gosto e vocação para música. Primeiro nos estudos de solfejo, com seu tio, Francisco de Paula Miranda, e, em seguida dominando o violino e o clarinete. Da infância para a adolescência, da música para o estudo das linguas, José Maria aprendeu Latim e Francês, complementando os estudos com História, Geografia e Filosofia. Tão consistente era seu conhecimento que necessitou de apenas um ano para cursar Teologia em Mariana . Assim, j