Pular para o conteúdo principal

Lembranças de maio em São João del-Rei

Uma das lembranças mais belas, ricas e fortes de São João del-Rei no mês de maio era o Mês de Maria. Durante trinta dias, principalmente aos domingos, nas igrejas suntuosas ou nas humildes capelinhas, depois da missa vespertina ou noturna, crianças vestidas de anjos e de virgem subiam ao altar, cantavam canções ternas em louvor à Nossa Senhora, coroavam a imagem e lhe jogavam pétalas de flor. Entre nuvens de incenso, parecia uma chuva perfumada e afetuosa, orvalho de poesia, inocência e cor. Os sinos tocavam alegres e os são-joanenses voltavam felizes para casa, confortados por terem presenciado um momento celestial, por terem vivenciado um instante divino. Prontos para uma boa e nova semana.

Hoje, quando acontecem, as coroações são mais raras. Há poucos anjos no mundo. O Céu não desce à Terra tão facilmente. Está mais distante.

Mas pode ser diferente. Numa cidade tão rica culturalmente e tão fervorosa como São João del-Rei, resgatar, nos meses de maio, as coroações dominicais de Nossa Senhora nas igrejas do centro histórico seria recuperar uma tradição de efeitos múltiplos sobre a vida e a identidade são-joanense. Isto não é difícil, São João del-Rei tem gente de fibra, devoção, coragem, dedicação e competência para isso.

Dona Júlia Lacerda, por exemplo, da Ponte das Águas Férreas, certamente não se negaria a cumprir com louvor mais esta missão. Inspirada em lembranças de sua infância e impulsionada pela solidariedade humana, com a cumplicidade e ajuda do marido, Geraldo Eloy, há trinta anos criou e põe às ruas, na ocasião do Natal e no Jubileu do Divino Espírito Santo, as Pastorinhas do Menino Jesus. Quem, melhor do que ela, pode ser o anjo determinado a buscar na memória afetiva a luz e a energia necessárias para recuperar tão importante tradição religiosa e cultural?

Fica a ideia lançada. Trabalhemos por ela. Quem sabe, no próximo ano, em maio, muitos são-joanenses já possam ter essa saudável alternativa para os pânicos e videocassetadas dominicais?

......................................................................
Ilustração:Arredores da igreja do Carmo de São João del-Rei (foto do autor)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Debaixo de São João del-Rei, existe uma São João del-Rei subterrânea que ninguém conhece.

Debaixo de São João del-Rei existe uma outra São João del-Rei. Subterrânea, de pedra, cheia de ruas, travessas e becos, abertos por escravos no subsolo são-joanense no século XVIII, ao mesmo tempo em que construíam as igrejas de ouro e as pontes de pedra. A esta cidade ainda ora oculta se chega por 20 betas de grande profundidade, cavadas na rocha terra adentro há certos 300 anos.  Elas se comunicam por meio de longas, estreitas e escuras galerias - veias  e umbigo do ventre mineral de onde se extraíu, durante dois séculos, o metal dourado que valia mais do que o sol. Não se tem notícia de outra cidade de Minas que tenha igual patrimônio debaixo de seu visível patrimônio. Por isto, quando estas betas tiverem sido limpas e tratadas como um bem histórico, darão a São João del-Rei um atrativo turístico que será único, no Brasil e no mundo. Atualmente, uma beta, nas imediações do centro histórico, já pode ser visitada e percorrida. Faltam outras 19, já mapeadas, dependendo da sensi

Em São João del-Rei não se duvida: há 250 anos, Tiradentes bem andou pela Rua da Cachaça...

As ruas do centro histórico de São João del-Rei são tão antigas que muitas delas são citadas em documentos datados das primeiras décadas do século XVIII. Salvo poucas exceções, mantiveram seu traçado original, o que permite compreender como era o centro urbano são-joanense logo que o Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes tornou-se Vila de São João del-Rei. O Largo do Rosário, por exemplo, atual Praça Embaixador Gastão da Cunha, surgiu antes mesmo de 1719, pois naquele ano foi benta a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, nele situada e que originalmente lhe deu nome. Também neste ano já existia o Largo da Câmara, hoje, Praça Francisco Neves, conforme registro da compra de imóveis naquele local, para abrigar a sede da Câmara de São João del-Rei. A Rua Resende Costa, que liga o Largo do Carmo ao Largo da Cruz, antigamente chamava-se Rua São Miguel e, em 1727, tinha lojas legalizadas, funcionando com autorização fornecida pelo Senado da Câmara daquela Vila colonial.  Por

Padre José Maria Xavier, nascido em São João del-Rei, tinha na testa a estrela da música barroca oitocentista

 Certamente, há quase duzentos anos , ninguém ouviu quando um coro de anjos cantou sobre São João del-Rei. Anunciava que, no dia 23 de agosto de 1819, numa esquina da Rua Santo Antônio, nasceria uma criança mulata, trazendo nas linhas das mãos um destino brilhante: ser um dos grandes - senão o maior - músico colonial mineiro do século XIX . Pouco mais de um mês de nascido, no dia 27 de setembro, (consagrado a São Cosme e São Damião) em cerimônia na Matriz do Pilar, o infante foi batizado com o nome  José Maria Xavier . Ainda na infância, o menino mostrou gosto e vocação para música. Primeiro nos estudos de solfejo, com seu tio, Francisco de Paula Miranda, e, em seguida dominando o violino e o clarinete. Da infância para a adolescência, da música para o estudo das linguas, José Maria aprendeu Latim e Francês, complementando os estudos com História, Geografia e Filosofia. Tão consistente era seu conhecimento que necessitou de apenas um ano para cursar Teologia em Mariana . Assim, j