Imagine numa cidade católica como São João del-Rei, o Diabo de chifre e rabo andar tranquilo pelas ruas, atravessar multidões, sorrir para crianças e saudar e piscar o olho para o cidadão contrito que há pouco saiu da Adoração do Santíssimo. Imagine também a Morte, de cumprida túnica preta, esticar longamente o cabo de sua foice prateada, como a ceifar o pescoço esganiçado de senhoras espantadas.
E pequenos diabinhos, saltitantes, distribuindo balas para as crianças. Mais: alas de caveiras carregando ossos animais, grandes estandartes com mensagens fúnebres, agentes funerários correndo de um lado para outro com valises e fitas métricas, um defunto imponente e deboçado em seu caixão, seguido por um séquito de assanhadas viúvas, que vez em quando esquecem do morto para se insinuar e até se atirar nos braços de pais de família e rapazes enamorados com suas noivas. Bruxas, feiticeiras, enforcados, degolados, fantasmas, monstros noturnos. Trilha sonora para tudo isso, uma bandinha no mesmo clima tocava do início ao fim compassada marcha fúnebre.
Assim era, originalmente, o Bloco dos Caveiras de São João del-Rei - o mundo funesto trazido para o carnaval, quase como uma aterrorizante mensagem religiosa. Formado apenas por homens, adultos. Quem sabe sua inspiração inconsciente não buscou reproduzir, pelo avesso, a Procissão das Cinzas, realizada com grande pompa nesta terra e com menos esplendor em outras vilas mineradoras no período colonial?
Sinal dos tempos, hoje o Bloco dos Caveiras fala de outra era. Para isso, manteve alguns personagens antigos e tradicionais, mas acrescentou outros, virtuais, televisivos, saídos da realidade urbana de nossos dias. Não aterrorizam, não causam medo nem pavor, pois eles de fato existem, estão à nossa espreita. Do mesmo modo, abriu para a participação de mulheres e jovens muito jovens.
Longe de ser fruto da criatividade ou da imaginação, o universo que o Bloco dos Caveiras caricaturalmente mostra é o universo de hoje. Olhando de perto, vê-se que a caricaturização até infantiliza os fatos, mostrando-os menos perigosos e pavorosos do que de fato eles são.
Já que no Bloco da Alvorada não tem samba-enredo, porta-bandeira, cabrochas, passistas, baianas, madrinha nem bateria, que pelo menos se preste atenção nos recados que ele transmite, ora com humor, ora com irreverência...
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Serviço
O Bloco dos Caveiras atualmente desfila apenas na noite de segunda-feira de carnaval, saindo da rua que une a igreja do Carmo , a igreja do Rosário e amatrizdo Pilar
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