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Corações negros de São João del-Rei teluricamente batem como tambor por Nossa Senhora do Rosário




Pela intensidade e fervor das manifestações religiosas que há mais de trezentos anos são realizadas em São João del-Rei - antes pelos escravos e, depois, por seus descendentes - logo depois que começa a primavera, em homenagem a Nossa Senhora do Rosário, pode-se dizer que outubro é o sagrado mês negro desta terra. Afinal, desde 1708 Nossa Senhora do Terço é madrinha do povo que veio da África e há três séculos vive ao longo e em torno da Serra do Lenheiro

Caixas, tambores, vozes, bandeiras, rezas, rosários, fitas, flores, espelhos, olhares - tudo ressoa, pulsa, vibra, brilha, tremula nos grupos de congada de São João del-Rei e arredores. Homens, mulheres, crianças, idosos, unindo ontem e hoje, dois tempos, neste mês se juntam em grupos e ternos para praticar uma devoção muito antiga, iniciada em 1208. Foi naquele distante ano que Nossa Senhora do Rosário apareceu a São Domingos de Gusmão e lhe entregou um terço de 150 contas. Isto, exatamente 500 anos de ser criada a Irmandade de Rosário dos Homens Pretos de São João del-Rei.

Passaram-se séculos e a tradição dos congados continua, tão autêntica, original, independente e pura como era antigamente. A mesma energia impulsiona o corpo, a mesma emoção arrepia a pele, a mesma devoção faz bater o coração dos congadeiros.

Isto é o que mostra o DVD Esse rosário é meu, que acompanhou, ouviu e colheu depoimentos de congadeiros de várias cidades do Campo das Vertentes, capitaneadas por São João del-Rei. É um documentário precioso e foi lançado em 2013, no mês de maio - também mês de Maria - nos objetivos do Encontro dos Congadeiros das Vertentes. 

Amanhã, quando no entardecer do último domingo do mês de outubro, Nossa Senhora do Rosário sair de sua trissecular igreja e percorrer ternamente as ruas coloniais de São João del-Rei, que como sempre seja generosa com seu olhar para este povo que vive à sombra da Serra do Lenheiro. Principalmente para os negros, pretos, pardos, mulatos, criolos e morenos, tão longo e sofrido foi o caminho que percorreram para chegar até aqui e tão longe ainda se encontram de chegar ao lugar que merecem.

Texto e foto: Antonio Emilio da Costa

Clique  AQUI e assista, na íntegra, o documentário Esse Rosário é meu

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