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Em São João del-Rei, São Sebastião combateu o fogo do inferno na Guerra dos Emboabas


Não é de hoje que são amigos São João del-Rei e São Sebastião. Conta a história que o mártir guerreiro se instalou no então Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes, no alvorecer dos anos setecentos. Na capela da virgem padroeira, assistiu aos horrores da Guerra dos Emboabas e se salvou do incêndio que a tudo destruiu, em 1709. Ainda hoje mora na cidade, em um altar lateral da matriz de Nossa Senhora do Pilar.

Amizade tão antiga não enfraquece com o tempo. Se dez anos depois, em 1719, o Senado da Câmara da então Vila de São João del-Rei declarou obrigatória a celebração anual  de missa cantada e solene procissão em honra de São Sebastião, os são-joanenses, por devoção ao santo, levaram tão a sério tal determinação que até hoje realizam novenas barrocas e procissão para festejar o divino advogado e feroz combatente na luta contra a peste, a fome e a guerra.

Ao longo de três séculos, importantes compositores são-joanenses produziram obras sacras que até hoje se alternam na novena, realizada de 19 a 19 de janeiro, que tem como repertório:

. Dómine, Veni, Hino e Antífona (Padre José Maria Xavier)
. Dómine e Veni (Carlos dos Passos Andrade)
.  Jaculatória de São Sebastião (Luiz Baptista Lopes)
. Domine, Veni, Hino e Antífona (Geraldo Barbosa de Souza)

Para a procissão, realizada ao entardecer de todo dia 20 de janeiro, foram compostos os seguintes coros processionais:

. Invicte Mártyr (Presciliano José da Silva)
. Beatus Vir e Invicte Mártyr (Marcelo Ramos de Souza)

Por se tratar de um santo guerreiro, a procissão de São Sebastião, em São João del-Rei, ostenta aspectos bélicos na formação do cortejo, muito perceptíveis para os mais atentos observadores: presença militar do Exército uniformizado, folia de São Sebastião alinhada com seus instrumentos de percussão em silêncio - folia e soldados guarnecidos pelas irmandades - e predominância espontânea do vernelho na cor da roupa das pessoas que acompanham o santo flechado. Altaneiro e amarrado à prata em tronco e galhos, traz a Cruz da Ordem de Cristo no peito, uma faixa vermelha à cintura, com grande pendente de ouro em fios e  flores, muitas palmas, vermelhas, enfeitando o andor.

Se Rio e Bahia se vestem de branco para homenagear Yemanjá, Oxalá e Senhor do Bonfim, São João del-Rei - como os índios brasileiros pintados para a guerra - se veste de vermelho para saudar São Sebastião.

Ouça, abaixo, a Antífona de São Sebastião (O Beate Sebastiane). Composição oitocentista do Padre José Maria Xavier, executada tradicionalmente na novena de São Sebastião pela Orquestra Lira Sanjoanense, aqui  interpretada pela Orquestra Sinfônica de Minas Gerais sob a regência do contemporâneo maestro Marcelo Ramos. Compositor e maestro - dois são-joanenses! Como se tornou São Sebastião...

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