É assim desde fins do século XVIII: por ocasião do tempo de Pentecostes, o espírito de Deus, na forma de pomba branca da qual irradiam raios luminosos, pousa sobre São João del-Rei e, por dez dias, com suas poderosas línguas de fogo, ilumina a inteligência e incendeia o coração do povo do Campo das Vertentes.
Em especial o coração do povo de Matosinhos, pois é naquele movimentado e progressista bairro são-joanense - em cujas imediações dizem ter acontecido em 1709 a sangrenta e traiçoeira Guerra dos Emboabas - que, desde o dia 17 até o dia 27 deste mês, acontecem as celebrações do Jubileu do Divino Espírito Santo.
A origem da festa certamente é anterior a 1783, pois este foi o ano em que o Papa concedeu-lhe a importância de Jubileu, título só conferido pela Igreja, na época, a festas já tradicionais e de grande representatividade junto à população.
Segundo o historiador e folclorista Ulisses Passarelli (2004), nos séculos XVIII e XIX romeiros se deslocavam de várias regiões para, devotamente, comparecerem à festa e, a partir de 1881, até a recém-inaugurada Maria Fumaça foi posta a este serviço. Consta que, "em 1917, rodaram para Matosinhos, na ocasião da festa, 42 trens por dia, perfazendo 11.000 passagens diárias."
Paralelamente à parte religiosa, que era o Jubileu propriamente dito, aconteciam muitas atrações, como bandas de música, bailados, corrida de touros, cavalhadas, dança-dos-velhos, dança-das-fitas, foguetório e toda sorte de divertimentos públicos.
Uma peculiaridade do Jubileu do Divino Espírito Santo de São João del-Rei é que além do imperador e imperatriz escolhidos a cada ano para contribuirem financeiramente para a realização da festa, foi instituída também a figura do Imperador Perpétuo. Era Santo Antônio, eleito pelos comerciantes, que faziam doações significativas, mas espontâneas. É possível que tal eleição se deva ao fato de que, em muitos anos, o Dia de Pentecostes cai em data próxima ao dia de Santo Antônio.
Imperador Perpétuo é cargo importante. Tanto que Santo Antônio vai carregado em liteira colonial, da igreja de São Francisco até a igreja de Bom Jesus de Matosinhos, precedido de um cortejo que tem à frente o Alferes da Bandeira - um cavaleiro imponente, montado em um cavalo garboso, empunhando o estandarte vermelho do Divino Espírito Santo.
Mas contra a vontade de todos - certamenite até de Santo Antônio e do próprio Espírito Santo - houve um tempo em que a realização do Jubileu foi proibida. Entendia a Igreja, no caso representada pelo bispo de Mariana, Dom Helvécio Gomes de Oliveira, que as jogatinas de roleta e jaburu, que se instalavam nas imediações do Largo de Matosinhos, maculavam a festa sagrada.
Como proibiram a festa mas deixaram os jogos e demoliram o "artístico e monumental" Pavilhão de Matosinhos, a inteligência e alíngua do povo, inspiradas pelas línguas de fogo do Espírito Santo, perceberam que tal medida teve segundas intenções, ou seja, promover e valorizar o Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos de Congonhas do Campo. Entretanto, lá aconteciam abertamente as mesmas coisas que ao bispo pareciam condenáveis em São João del-Rei.
Ficou assim por 74 anos. Mas o mundo dá muitas voltas e muita água do Rio das Mortes, veia aorta do coração de Matosinhos, passou debaixo da ponte. Assim, em 1998, novamente o Espírito de Deus, na forma de uma pomba branca, irradiando raios refulgentes de entusiasmo, sabedoria, inteligência e linguas de fogo voltou a pousar sobre São João del-Rei. Especialmente sobre as cabeças do padre José Raimundo da Costa e do escultor sacro Osni Paiva, inspirando-os no sonho de resgatar a antiga tradição. Para isso, eles
arrebataram outros interessados e desde então, cada ano com mais brilho, o Jubileu do Divino Espírito Santo novamente enriquece o calendário religioso e cultural de São João del-Rei.
Mas isto já é assunto para outro dia, para outro post neste almanaque eletrônico.
* Foto: Reprodução de http://www.santuariodematosinhos.com.br/
![]() |
Imperador Perpétuo do Jubileu do Divino Espírito Santo - São João del-Rei* |
É assim desde fins do século XVIII: por ocasião do tempo de Pentecostes, o espírito de Deus, na forma de pomba branca da qual irradiam raios luminosos, pousa sobre São João del-Rei e, por dez dias, com suas poderosas línguas de fogo, ilumina a inteligência e incendeia o coração do povo do Campo das Vertentes.
Em especial o coração do povo de Matosinhos, pois é naquele movimentado e progressista bairro são-joanense - em cujas imediações dizem ter acontecido em 1709 a sangrenta e traiçoeira Guerra dos Emboabas - que, desde o dia 17 até o dia 27 deste mês, acontecem as celebrações do Jubileu do Divino Espírito Santo.
A origem da festa certamente é anterior a 1783, pois este foi o ano em que o Papa concedeu-lhe a importância de Jubileu, título só conferido pela Igreja, na época, a festas já tradicionais e de grande representatividade junto à população.
Segundo o historiador e folclorista Ulisses Passarelli (2004), nos séculos XVIII e XIX romeiros se deslocavam de várias regiões para, devotamente, comparecerem à festa e, a partir de 1881, até a recém-inaugurada Maria Fumaça foi posta a este serviço. Consta que, "em 1917, rodaram para Matosinhos, na ocasião da festa, 42 trens por dia, perfazendo 11.000 passagens diárias."
Paralelamente à parte religiosa, que era o Jubileu propriamente dito, aconteciam muitas atrações, como bandas de música, bailados, corrida de touros, cavalhadas, dança-dos-velhos, dança-das-fitas, foguetório e toda sorte de divertimentos públicos.
Uma peculiaridade do Jubileu do Divino Espírito Santo de São João del-Rei é que além do imperador e imperatriz escolhidos a cada ano para contribuirem financeiramente para a realização da festa, foi instituída também a figura do Imperador Perpétuo. Era Santo Antônio, eleito pelos comerciantes, que faziam doações significativas, mas espontâneas. É possível que tal eleição se deva ao fato de que, em muitos anos, o Dia de Pentecostes cai em data próxima ao dia de Santo Antônio.
Imperador Perpétuo é cargo importante. Tanto que Santo Antônio vai carregado em liteira colonial, da igreja de São Francisco até a igreja de Bom Jesus de Matosinhos, precedido de um cortejo que tem à frente o Alferes da Bandeira - um cavaleiro imponente, montado em um cavalo garboso, empunhando o estandarte vermelho do Divino Espírito Santo.
Mas contra a vontade de todos - certamenite até de Santo Antônio e do próprio Espírito Santo - houve um tempo em que a realização do Jubileu foi proibida. Entendia a Igreja, no caso representada pelo bispo de Mariana, Dom Helvécio Gomes de Oliveira, que as jogatinas de roleta e jaburu, que se instalavam nas imediações do Largo de Matosinhos, maculavam a festa sagrada.
Como proibiram a festa mas deixaram os jogos e demoliram o "artístico e monumental" Pavilhão de Matosinhos, a inteligência e alíngua do povo, inspiradas pelas línguas de fogo do Espírito Santo, perceberam que tal medida teve segundas intenções, ou seja, promover e valorizar o Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos de Congonhas do Campo. Entretanto, lá aconteciam abertamente as mesmas coisas que ao bispo pareciam condenáveis em São João del-Rei.
Ficou assim por 74 anos. Mas o mundo dá muitas voltas e muita água do Rio das Mortes, veia aorta do coração de Matosinhos, passou debaixo da ponte. Assim, em 1998, novamente o Espírito de Deus, na forma de uma pomba branca, irradiando raios refulgentes de entusiasmo, sabedoria, inteligência e linguas de fogo voltou a pousar sobre São João del-Rei. Especialmente sobre as cabeças do padre José Raimundo da Costa e do escultor sacro Osni Paiva, inspirando-os no sonho de resgatar a antiga tradição. Para isso, eles
arrebataram outros interessados e desde então, cada ano com mais brilho, o Jubileu do Divino Espírito Santo novamente enriquece o calendário religioso e cultural de São João del-Rei.
Mas isto já é assunto para outro dia, para outro post neste almanaque eletrônico.
* Foto: Reprodução de http://www.santuariodematosinhos.com.br/
Comentários
Postar um comentário