Amigo do jornalista e escritor são-joanense Otto Lara Resende, o também escritor Fernando Sabino por muitas vezes esteve em São João del-Rei. Seduzia-o não só a cultura barroca - inegável marca registrada da cidade - mas também lhe intrigavam os requintes e sutilezas da cultura e da sabedoria popular, sobretudo a astúcia dissimulada que os são-joanenses usavam para atingir seus objetivos. Fazendo-se de "bocós", ingênuos e simplórios, os nativos de São João del-Rei eram hábeis em ludibriar os forasteiros que, chegando de fora, se julgavam "muito ladinos". Isto Fernando Sabino retrata no primeiro episódio breve do conto Mineiro por Mineiro, reproduzido abaixo. Mire e veja...
A MANEIRA ENROLADA com que um mineiro fila cigarro? Aqui vai.
Ele estava em São João del-Rei admirando um chafariz, quando viu por ali a rondá-lo um velhinho mirrado e seco, roupa de brim e chapéu na cabeça, que acabou se chegando:
— Tá aí preciano, moço?
— Estou. Não é bonito?
Passou a mão pelo queixo, enquanto buscava assunto:
— O senhor não é daqui não, é?
— Sou de Minas, mas moro no Rio há muito tempo.
— Ah, foi educado lá.
— Isso mesmo.
— Posso saber qual é a sua graça?
O velho ouviu o nome e sacudiu a cabeça. Depois perguntou candidamente:
— Por acaso o senhor tem um fósforo aí?
Em resposta, o outro estendeu-lhe a caixa de fósforo. O velho correu as mãos a ao longo do paletó, como se procurasse alguma coisa, enquanto dizia:
— Quer dizer que o senhor fuma...
— Fumo sim — e ele tirou o maço do bolso, acendeu um cigarro: E o senhor? Não fuma?
— Dez vez em quando — admitiu o velho.
— Aceita um?
— Já que o senhor dispõe...
O velho tirou com dedos finos um cigarro do maço que lhe era estendido e, certamente para não desperdiçar fósforo, acendeu-o no cigarro do outro. E se despediu, levando a mão ao chapéu:
— Obrigado, moço. Muito prazer, viu?
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Fonte: http://www.releituras.com/fsabino_mineiro.asp
Ilustração de abertura: branco e preto (foto do autor)
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