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São João del-Rei "sobre importâncias"


Daqui a alguns dez minutos será domingo. Dia que nos lembra o descanso de Deus, depois de criar céu, terra e tudo que neles há. Antigamente, o domingo era marcado por missa, almoço em família, guaraná, tutu, macarronada com queijo ralado, frango ao molho, visita aos parentes, passeio na avenida. Quem, entre os antigos, nunca foi, tempos atrás, em passeio ao alto do Cristo, soltar papagaios coloridos, chupar laranja e espiar a cidade, na lerdeza dominical e azul das três da tarde?

Hoje, para muitos, tempos  duros e desiguais, mesmo em São João del-Rei há quem não descanse nunca. Para muitos, mesmo em São João del-Rei, o trabalho não tem pausa. Nem aos domingos. Há até quem nem perceba que é dia de folga, Dia do Senhor. Mas no fundo do peito, há em todos um sentimento dormente, pulsando como um sonho de fim e recomeço. Como um desejo de paz, poesia e música. Para todos vão, abaixo, um poema e uma canção, com cheiro de domingo...

Sobre importâncias* (Manoel de Barros)

Um fotógrafo-artista me disse certa vez:
veja que pingo de sol no couro de um lagarto é
para nós mais importante do que o sol inteiro
no corpo do mar. Falou mais: que a importância
de uma coisa não se mede com fita métrica nem
com balanças nem com barômetros etc. Que a
importância de uma coisa há de ser medida
pelo encantamento que a coisa produza em nós.
Assim, um passarinho nas mãos de uma criança
é mais importante para ela do que a Cordilheira
dos Andes. Que um osso é mais importante para
o cachorro do que uma pedra de diamante. E
um dente de macaco da era terciária é mais
importante para os arqueólogos do que a
Torre Eiffel. (veja que só um dente de macaco!)
Que uma boneca de trapos que abre e fecha os
olhinhos azuis nas mãos de uma criança é mais
importante para ela do que o Empire State
Building. Que o cu de uma formiga  é mais
importante para o poeta do que uma Usina Nuclear.
Sem precisar medir o anus da formiga. Que o canto
das águas e das rãs nas pedras é mais
importante para os músicos do que os ruídos
dos motores de fórmula 1. Há um desagero em mim
de aceitar essas medidas. Porém, não sei se isso é
um defeito do olho ou da razão. Se é defeito da alma
ou do corpo. Se fizerem algum exame mental em mim
por tais julgamentos,vão encontrar que eu gosto
mais de conversar  sobre restos de comida
com as moscas do que com os homens doutos.

* in Memórias Inventadas - As infâncias de Manoel de Barros

Para completar, acesse  e ouça A dança dos meninos.


Bom domingo para todos!

Comentários

  1. Com satisfação recebemos ontem a mensagem do amigo Francisco Braga, transcrita abaixo. Braga notoriamente é devotado a São João del-Rei e à cultura são-joanense, não medindo esforços para preservá-la, protegê-la e difundí-la.

    Sua mensagem resgata o projeto 1792 - 1992: Tiradentes, 200 Sonhos de Liberdade, que propus e vingou em São João del-Rei, mobilizando mais de 20 instituições locais e um grande número de artistas e intelectuais. Essa união viabilizou uma programação que constava de atividades histórico-artístico-culturais desenvolvidas diariamente por mais de 30 dias, entre elas exposições, concertos, exibição de filmes, inauguração de marco, palestras e seminário.

    Que nas comemorações dos 300 anos da elevação de São João del-Rei à categoria de vila, em 2013, a comunidade são-joanense novamente, pela união, demonstre seu amor à memória natal e brinde a todos com uma celebração à altura de tão grandioso fato.

    Obrigado, Braga, por oportunizar esta lembrança e este apelo. Um abraço. Emilio.

    Prezad@,
    Conheci Emílio Costa no Arquivo Público do GDF, lá pelos idos de 1992. Sâo João del-Rei comemorava o bicentenário da morte do Tiradentes, o mais ilustre cidadão são-joanense.
    Na ocasião, escrevi um artigo para a Revista Vozes sobre a naturalidade são-joanense de Joaquim José da Silva Xavier (São João del-Rei: a terra natal de Tiradentes, reproduzido no Blog de São João del-Rei endereço: http://saojoaodel-rei.blogspot.com em dezembro de 2008) que foi por mim transformado em discurso do Senador Alfredo Campos, enquanto seu assessor. Seguiu-se a esse artigo a Carta de São João del-Rei - Encontro em São João del-Rei discute cidadania desmemoriada e preservação do Patrimônio Histórico, disponibilizada em janeiro de 2009 pelo supracitado blog.
    Ficamos muito amigos durante essa comemoração e posso testemunhar o grande amor de Emílio Costa por nossa terra natal, sempre atuante e presente às principais festas de nossa terra.
    Saúdo o seu blog Tencões & Terentenas, esperando ter algum artigo meu hospedado nesse espaço cibernético são-joanense.
    Abraço do Francisco Braga

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