Onde o céu não desce ao chão, em São João del-Rei, a geografia se eleva, disposta a projetar o são-joanense ao infinito. O morro do Bonfim é um lugar assim: talvez o ponto mais elevado da cidade, mas com certeza o que mais bela visão oferece da Serra do Lenheiro, roxa e verde no seu ondular de seios, fendas, cascatas e vales.
Pequenina, a capelinha de Nosso Senhor do Bonfim fica no horizonte da linha tênue onde céu e terra, se separados, se juntam; se juntos, se separam. Tão diminuta que parece de papel, foi construída em 1769, pelo devoto José Garcia de Carvalho, nas imediações de onde semearam, na infância do Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes, a primitiva capela da santa padroeira, incendiada nos idos de 1709, pelos ódios e labaredas da Guerra dos Emboabas.
Delicada, bandeirante, de janelas azuis, torre e sino singelos, cercada de cheirosos manacás, a capelinha branca parece uma ovelha desgarrada, à espera do árcade e crucificado pastor. Bonfim. Seu nome chama esperança e acena adeus alentoso, no desejo inocente de apagar as letras graves que, evocando o alto patíbulo ali outrora plantado, insiste em ainda hoje manter o que está escrito na memória - Morro da Forca.
Dizem que foi por aquele alto que, em 1717, chegou o Conde de Assumar à Vila de São João del-Rei e ali mesmo recebeu saudações das mais importantes autoridades, da nobreza e do clero locais, ao som da música comandada por mestre Antônio do Carmo. Um século depois, os cientistas alemães Spix e Martius, também passando por ali, registraram em suas cadernetas de anotação a visão privilegiada que se tem do alto do Bonfim. Mais cinquenta anos e o viajante inglês Richard Burton, em 1868, confirmou a mesma impressão.
Também no século XIX, por volta desta mesma época, era no alto do Bonfim que a Sociedade Patriótica Ypiranga comemorava, todo 7 de setembro, a Independência do Brasil. A festa começava cedo, com alvorada festiva, e prosseguia por todo o dia, com toques de tambores e clarins, discursos e homenagens. Só terminava à noite, na capela, com o canto do "hino sagrado" Te Deum Laudamus.
Como já vai longe esse tempo, voltemos a 2012. Esta semana, até o anoitecer do próximo domingo, o alto do Bonfim está em festa, para homenagear Nosso Senhor. Toque de sinos, missas, bandas de música, cânticos, orações, barraquinhas, jogos inocentes, alto-falante, foguetórios, leilões, pipoca, algodão doce, víspora, pés de moleque, maçã do amor, beijo quente, quentão, quebra-queixo. As lembranças, as sortes, as alegrias e as delícias do tempo e da infância pulando dos bolsos qual azuis bolinhas de gude, girando coloridas no largo como iluminadas rodas-gigante, se esfolando ofegantes nas pedras e no cascalho.
Tudo entre o céu e o chão, em honra ao padroeiro agonizante que do alto de sua colina, há 243 anos, complascente e cordioso, vigia São João del-Rei, protegendo-a nesta guerra cotidiana de outros emboabas...
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Fonte: GAIO SOBRINHO, Antônio. Notas sobre o Bairro do Bonfim. Jornal da ASAP. Acessado em http://saojoaodelreitransparente.com.br/works/view/12
Pequenina, a capelinha de Nosso Senhor do Bonfim fica no horizonte da linha tênue onde céu e terra, se separados, se juntam; se juntos, se separam. Tão diminuta que parece de papel, foi construída em 1769, pelo devoto José Garcia de Carvalho, nas imediações de onde semearam, na infância do Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes, a primitiva capela da santa padroeira, incendiada nos idos de 1709, pelos ódios e labaredas da Guerra dos Emboabas.
Delicada, bandeirante, de janelas azuis, torre e sino singelos, cercada de cheirosos manacás, a capelinha branca parece uma ovelha desgarrada, à espera do árcade e crucificado pastor. Bonfim. Seu nome chama esperança e acena adeus alentoso, no desejo inocente de apagar as letras graves que, evocando o alto patíbulo ali outrora plantado, insiste em ainda hoje manter o que está escrito na memória - Morro da Forca.
Dizem que foi por aquele alto que, em 1717, chegou o Conde de Assumar à Vila de São João del-Rei e ali mesmo recebeu saudações das mais importantes autoridades, da nobreza e do clero locais, ao som da música comandada por mestre Antônio do Carmo. Um século depois, os cientistas alemães Spix e Martius, também passando por ali, registraram em suas cadernetas de anotação a visão privilegiada que se tem do alto do Bonfim. Mais cinquenta anos e o viajante inglês Richard Burton, em 1868, confirmou a mesma impressão.
Também no século XIX, por volta desta mesma época, era no alto do Bonfim que a Sociedade Patriótica Ypiranga comemorava, todo 7 de setembro, a Independência do Brasil. A festa começava cedo, com alvorada festiva, e prosseguia por todo o dia, com toques de tambores e clarins, discursos e homenagens. Só terminava à noite, na capela, com o canto do "hino sagrado" Te Deum Laudamus.
Como já vai longe esse tempo, voltemos a 2012. Esta semana, até o anoitecer do próximo domingo, o alto do Bonfim está em festa, para homenagear Nosso Senhor. Toque de sinos, missas, bandas de música, cânticos, orações, barraquinhas, jogos inocentes, alto-falante, foguetórios, leilões, pipoca, algodão doce, víspora, pés de moleque, maçã do amor, beijo quente, quentão, quebra-queixo. As lembranças, as sortes, as alegrias e as delícias do tempo e da infância pulando dos bolsos qual azuis bolinhas de gude, girando coloridas no largo como iluminadas rodas-gigante, se esfolando ofegantes nas pedras e no cascalho.
Tudo entre o céu e o chão, em honra ao padroeiro agonizante que do alto de sua colina, há 243 anos, complascente e cordioso, vigia São João del-Rei, protegendo-a nesta guerra cotidiana de outros emboabas...
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Fonte: GAIO SOBRINHO, Antônio. Notas sobre o Bairro do Bonfim. Jornal da ASAP. Acessado em http://saojoaodelreitransparente.com.br/works/view/12
Lindo! Quando vou à São João del Rei é lá que fico, no Bonfim, onde boa parte da família do meu pai ainda reside. E tenho de minha janela vista privilegiada e tão bem descrita por você.
ResponderExcluirAbraços. KK