Pular para o conteúdo principal

Lamentosa e comovente, a Procissão da Soledade encerra a Festa de Passos em São João del-Rei

No anoitecer desta sexta-feira,  dia11 de abril de 2014, a sexta Sexta-Feira da Quaresma, o espírito de São João del-Rei, religiosamente, se perturbará, em silêncio, para dentro da própria alma. Será a noite da Soledade de Nossa Senhora, quando acontecerá a Procissão das Lágrimas, nome hoje em desuso, mas muito adequado para o que se rememora: a volta da mãe de Jesus do Monte Calvário para casa, relembrando todo o sofrimento do filho sepulto e vivendo, resignada e na plenitude, a saudade.

O andor de Nossa Senhora das Dores que hoje será carregado em meio largos, becos, ladeiras e esquinas, cruzeiros e encruzilhadas do centro histórico de São João del-Rei nesta noite é absolutamente austero, quase árido. Apenas arnica - planta medicinal usada em infusão no alcool para aliviar dores musculares, entorses e contusões - discretamente se espalha sobre a madeira, em volta coberta por sanefas roxas e galões dourados.

Nossa Senhora vai com seu diadema de doze estrelas de prata, suas quatro espadas de prata no peito e seu manto de solidão e dor, parando contemplativa nas cinco capelas-passo da Paixão. Em cada uma, a Orquestra Ribeiro Bastos canta  motetos saudosos, vários deles inspirados nas lamentações do Profeta Jeremias. O mistério é tamanho que, quem se compenetrar, terá a impressão de que o canto não quer transpassar o silêncio nem se espalhar pela noite.

Antes de recolher-se por mais um ano em seu altar na Matriz do Pilar, Nossa Senhora das Dores pára diante do grande oratório da Piedade e, como a mirar-se, a si própria, em espelho imaginário, contempla a outra imagem, que está no alto do altar, ao pé da cruz, com Cristo morto em seu colo. Esta, portuguesa, veio para São João del-Rei no século XVIII.

Até alguns anos atrás, somente na Sexta-Feira da Soledade o Passinho da Pideade era aberto. Agora, ele fica exposto para contemplação de fiéis e turistas também na noite da Quinta Feira Santa e durante o dia na Sexta Feira da Paixão. Mas não é a mesma coisa, pois neste período o oratório é como um belo e grande retrato na parede da paisagem que é o Largo do Rosário. Não tem tão intensa função de espaço sagrado como a que desempenha na Procissão das Lágrimas.

Muito envolvimento, respeito e fé. As celebrações dos Passos de Nosso Senhor Jesus Cristo a caminho do Calvário, o Setenário das Dores e a Semana Santa de São João del-Rei são fortemente marcadas por estas coisas.





Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Debaixo de São João del-Rei, existe uma São João del-Rei subterrânea que ninguém conhece.

Debaixo de São João del-Rei existe uma outra São João del-Rei. Subterrânea, de pedra, cheia de ruas, travessas e becos, abertos por escravos no subsolo são-joanense no século XVIII, ao mesmo tempo em que construíam as igrejas de ouro e as pontes de pedra. A esta cidade ainda ora oculta se chega por 20 betas de grande profundidade, cavadas na rocha terra adentro há certos 300 anos.  Elas se comunicam por meio de longas, estreitas e escuras galerias - veias  e umbigo do ventre mineral de onde se extraíu, durante dois séculos, o metal dourado que valia mais do que o sol. Não se tem notícia de outra cidade de Minas que tenha igual patrimônio debaixo de seu visível patrimônio. Por isto, quando estas betas tiverem sido limpas e tratadas como um bem histórico, darão a São João del-Rei um atrativo turístico que será único, no Brasil e no mundo. Atualmente, uma beta, nas imediações do centro histórico, já pode ser visitada e percorrida. Faltam outras 19, já mapeadas, dependendo da sensi

Em São João del-Rei não se duvida: há 250 anos, Tiradentes bem andou pela Rua da Cachaça...

As ruas do centro histórico de São João del-Rei são tão antigas que muitas delas são citadas em documentos datados das primeiras décadas do século XVIII. Salvo poucas exceções, mantiveram seu traçado original, o que permite compreender como era o centro urbano são-joanense logo que o Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes tornou-se Vila de São João del-Rei. O Largo do Rosário, por exemplo, atual Praça Embaixador Gastão da Cunha, surgiu antes mesmo de 1719, pois naquele ano foi benta a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, nele situada e que originalmente lhe deu nome. Também neste ano já existia o Largo da Câmara, hoje, Praça Francisco Neves, conforme registro da compra de imóveis naquele local, para abrigar a sede da Câmara de São João del-Rei. A Rua Resende Costa, que liga o Largo do Carmo ao Largo da Cruz, antigamente chamava-se Rua São Miguel e, em 1727, tinha lojas legalizadas, funcionando com autorização fornecida pelo Senado da Câmara daquela Vila colonial.  Por

Padre José Maria Xavier, nascido em São João del-Rei, tinha na testa a estrela da música barroca oitocentista

 Certamente, há quase duzentos anos , ninguém ouviu quando um coro de anjos cantou sobre São João del-Rei. Anunciava que, no dia 23 de agosto de 1819, numa esquina da Rua Santo Antônio, nasceria uma criança mulata, trazendo nas linhas das mãos um destino brilhante: ser um dos grandes - senão o maior - músico colonial mineiro do século XIX . Pouco mais de um mês de nascido, no dia 27 de setembro, (consagrado a São Cosme e São Damião) em cerimônia na Matriz do Pilar, o infante foi batizado com o nome  José Maria Xavier . Ainda na infância, o menino mostrou gosto e vocação para música. Primeiro nos estudos de solfejo, com seu tio, Francisco de Paula Miranda, e, em seguida dominando o violino e o clarinete. Da infância para a adolescência, da música para o estudo das linguas, José Maria aprendeu Latim e Francês, complementando os estudos com História, Geografia e Filosofia. Tão consistente era seu conhecimento que necessitou de apenas um ano para cursar Teologia em Mariana . Assim, j