Novamente São João del-Rei está em festa barroca, desta vez em honra de Nossa Senhora da Boa Morte, de sua Assunção e Coroação. Realizada anualmente no período de 5 a 15 de agosto, é uma tradição muito antiga, surgida na metade do século XVIII e que, especialmente na terra onde os sinos falam, tem cores locais. Não só cores, mas também rica e única musicalidade, pontuada por três "naipes": os sinos, a orquestra Lira Sanjoanense e a Banda Theodoro de Faria.
Cada qual com sua função. A banda, acompanhando e ditando ritmo às procissões, enchendo becos e largos com notas harmonicamente cadenciadas. A orquestra, executando partituras barrocas na novena, na missa solene e de quando em quando, nas procissões. Os sinos, bem, os toques dos sinos...
Dizem que o toque A Senhora é Morta de todos é o mais bonito. Executado apenas na Matriz do Pilar, noite de 13 de agosto e em determinadas horas do dia 14, parece uma conversa de anjos - contando um para o outro que a Senhora, sobre-humanamente, adormeceu.
O ofício de sineiro hoje é reconhecido como valorosa atividade cultural. A este respeito, assim registrou o IPHAN: "A tradição do toque dos sinos, eminentemente masculina, se mantém viva em São João del-Rei como referência de identidade cultural da cidade e como atividade afetiva, lúdica e devocional dos sineiros. A estrutura, composição e o saber tocar sinos estão na memória e na habilidade dos sineiros, que conhecem de cor um repertório não escrito de toques, constituídos de pancadas, badaladas e repiques e dobres adequados a ocasiões festivas ou fúnebres."
"Os sineiros são detentores e responsáveis pela reiteração e transmissão da habilidade e do conhecimento requeridos por essa forma de expressão e do seu repertório, pois esta prática não se aprende na escola. Este aprendizado requer observação, envolvimento e dedicação desde a infância, quando os meninos, que não têm acesso às torres, começam a reproduzir os sons dos campanários em panelas, postes, enxadas, picaretas e tudo o mais que possa servir como objeto de percussão."
"A partir da adolescência eles passam a frequentar as torres das igrejas para ouvir, ver e acompanhar a execução dos toques. Aos domingos, em São João del-Rei, estes aprendizes saem em "via sacra a percorrer as torres das principais igrejas para aprender e, ocasionalmente, tocar os sinos."
"Outra característica da formação dos sineiros é que geralmente eles mantém estreita relação com bandas, orquestras, liras, escolas de samba e outros espaços de expressão da musicalidade. Dizem que é possível, pelo toque, identificar o sineiro."
"A atividade de sineiro é uma prática e uma arte que envolve criação e aprimoramento de toques, indo além da mera repetição de um repertório. Sineiros experientes criam adereços para os sinos e incorporam novas técnicas ao seu trabalho, como por exemplo a colocação do gancho entre o badalo e a corda. Os sineiros se autoclassificam como antigos (tocam os sinos esporadicamente e são chamados para esclarecer dúvidas), jovens (tocam os sinos no dia a dia), zeladores (dão condição aos jovens sineiros de realizarem sua tarefa e tocam os sinos quando estes não conseguem) e mestres (sineiros já falecidos que fazem parte da história da localidade e são referências desse saber e do seu ofício)."
Sabendo disso, que tal ouvirmos o toque A Senhora é Morta e ver, na prática, algumas coisas de que fala o texto?
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É um toque lindo e também melancólico como pede a ocasião. Meus irmãos que foram sineiros, tocaram muito. Que privilégio ser menino e tocar sino! Que saudades!
ResponderExcluirMais uma ótima matéria Emilio,eu me identifiquei aqui pois sou sineiro (embora não tão ativo como antes) desde os 10 anos de idade,já frequentei as torres das igrejas de N.S. do Pilar,N.S. do Carmo,São Gonçalo,São Francisco,N.S. do Rosário,N.S. das Mercês,Dom Bosco (nessa eu e mais dois amigos tocávamos os carrilhões e fomos os primeiros e únicos a levar a linguagem dos sinos para essa igreja) e fui sineiro da igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinhos,mais uma vez meus amigos e eu retornamos com a linguagem dos sinos que havia desaparecido havia uns 20 anos e um sineiro antigo subiu na torre e se emocionou ao ouvir os mesmos toques que ele fazia na igreja antiga que foi demolida.
ResponderExcluirAproveito para lhe agradecer as palavras de incentivo que você me enviou por e-mail e estou preparando uma série de postagens para o meu blog com muitas fotos raras da bitolinha.
Abraço e fique com Deus!
Thiago
Thiago,
Excluirdesde sempre os grandes são-joanenses constroem e escrevem a história de São João del-Rei cotidianamente, com o próprio viver. Você, com sua trajetória e com seu exemplo, é um deles.
Grande abraço.
KK, como vc sabe, em SJDR não é tradição mulheres subirem nas torres para dobrar sinos. São pesados, requerem acrobacia perigosa.Talvez, se fossem harpas...
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