Desde ontem, 14 de agosto, São João del-Rei vive um dos mais importantes momentos de seu calendário religioso-cultural: a Festa da Boa Morte. Toda a segunda-feira foi marcado pelo toque dos sinos, anunciando que "A Senhora é Morta" e à noite, dormindo a vida eterna em seu esquife de flores de pêssego, de olhos fechados, a virgem adormecida transitou pelas principais ruas, becos e largos do centro histórico são-joanense. De volta à Matriz do Pilar, foi repousada em uma urna-sepulcro, sobre a qual, selando sua majestade, se colocou uma coroa de prata, cinzelada há mais de dois séculos.
Passada meia-noite,a lua levou para o outro lado a sombra da morte. Alvorada festiva, banda de música, foguetório, pétalas de rosa, toques alegres de sino desde cedo, todo 15 de agosto São João del-Rei é júbilo. Tendo dormido, mas sem passar pelos braços da morte, à sombra da Serra do Lenheiro Nossa Senhora sobe aos céus, qual Cinderela deixando cair sobre a lua crescente de prata seu sapato de cristais e cetim. É isto o que hoje o povo de São João del-Rei celebra.
Tudo é surpreendentemente encantado. Às nove e meia da manhã, na Matriz do Pilar, uma missa solene, cantada em músicas setecentistas e oitocentistas compostas na região, fala sobre trechos das visões do apóstolo São João registradas no Livro do Apocalipse. Descreve, de modo especial, a visão sobre o dragão de sete chifres que, enfurecido, certo dia se alvoroçou contra o firmamento, derrubando lá de cima, com sua fúria e cauda, um terço das estrelas que ali luziam. Mas o povo não se assustou - pelo menos o de São João del-Rei - pois estava ocupado em preparar andores e ruas para a procissão de Nossa Senhora da Assunção e de Nossa Senhora da Glória. A esta procissão também comparecem, em grande andor, "Deus Pai Eterno, Deus Filho Redentor do Mundo e Deus Espírito Santo".
Quando ao anoitecer o longo cortejo percorrer o centro histórico são-joanense, banda e orquestra se revezarão na semeadura e cultivo das notas musicais - a banda com suas marchas próprias e a Orquestra Lira Sanjoanense com os motetos sacros, compostos especialmente para esta data. Tão brancos e tão sublimes são os motetos que ninguém sabe bem se mais parecem algodão doce ou alvas amêndoas de coco - com certeza delícias de antigamente.
Na volta à igreja, Te Deum Laudamos. Serenidade e alegria de saber que, apesar da ira peçonhenta do mal (ou será dos maus?) tal qual luzeiros, as estrelas continuam brilhando no céu. Para dizer isto, os sinos tocam com mais força.
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