Na sua dinâmica sociocultural, a cada dia São João del-Rei ressignifica elementos e símbolos de sua história, dando-lhes novos e contemporâneos sentidos. No vale da Serra e ao longo do Córrego do Lenheiro, o que antes ostensivamente apontava condenação, hoje serve para induzir questionamentos. O que outrora, em séculos passados, sinalizava colonial castigo, neste terceiro milênio, é alvorada da consciência dos direitos humanísticos e cidadãos.
Você imagina que o Pelourinho, onde desde 1713 se castigavam escravos e executavam severas punições na Vila de São João del-Rei, pudesse servir de mastro para um toldo da principal barraca da quermesse da Festa de Nossa Senhora das Mercês? Pois é! Em setembro de 2013, isto aconteceu.
A face religiosa, tradicional e barroca, da Festa das Mercês continua fiel aos rituais setecentistas. Toques de sinos, foguetes, novenas, missas cantadas, incensos, irmãos com hábitos, escapulários e mantos caudalosos, andores enfeitados, procissões, fogos de artifícios.
A face popular, adaptou-se aos novos tempos. Abriu mão do barquinho elétrico-iluminado que cortava de ponta a ponta a fachada da igreja no começo dos anos sessenta. Sente saudades das barracas de pescaria, do coelhinho branco que escolhia a casinha premiada. Do avião que, voando em círculo em redor do mundo, tinha escalas em Aparecida do Norte, Pitangui, Mariana, Bom Jesus de Pirapora, Bom Jesus do Amparo, Ouro Branco, Ouro Preto, Congonhas do Campo, Senhora da Abadia, São Francisco das Chagas de Canindé, Salvador, Dores de Campos, Bom Jesus da Lapa, Belém, Nazareno, São Miguel do Cajuru, Trindade, Pilar de Goiás, Santo Ângelo, Santo André, São Bernardo, São Caetano, São Sebastião da Vitória, São Paulo, Cruzília, Cruzeiro do Sul, Santa Luzia, São Luís dos Montes Belos, Nossa Senhora do Desterro, Santa Bárbara, São Tomé das Letras, São Lourenço, São Tiago, Santo Antônio do Rio das Mortes. Alguma delas traria prendas e alegrias...
Do leilão de frango assado, pernil com farofa de azeitona e ovo cozido, bolo de coco, broa de coalhada, vinho tinto, licor de folha de figo, perfume em frasco grande e colorido, ficou apenas saudade. Não é coisa deste tempo.
Mas o Pelourinho, que antes era a égide de autoritarismo, escravidão e terror, agora em São João del-Rei, tem outra finalidade. É um mastro, ou melhor, um marco que legitima o seguinte pensamento, bíblico, creio que de Chagall: "o destino do homem é a felicidade e sua morada deve ser o Paraíso!" Enquanto este tempo não chega, mas já está a caminho, à sombra da agulha de pedra se ouve o sino tocar, e também música alegre. Se namora, se cobiça a mulher do próximo, se conversa, se bebe cerveja, refrigerante e suco. Se come suculento churrasquinho de lombo e frango, pastel de queijo e "de pizza" , cigarrete, rissole, coxinha de galinha...
Quando o novo tempo chegar (e ele não demora...), é preciso estar satisfeito, alegre, feliz e de barriga cheia para recebê-lo!
Antonio Emilio ou era dono da barraca do avião ou era o mais assíduo apostador...rsrs...Como consegue lembrar de todas as paradas do aviãozinho? Já sei, é essa nossa memória das coisas boas de São João, acho que te entendo. Já escrevi no meu blog sobre o aviãozinho também, depois passa lá pra conferir! Que N.S.das Mercês nos ilumine! Abraços!
ResponderExcluirOi KK, é isso mesmo:
ResponderExcluirnossa memória afetivo-sentimental de SJDR é muito rica. Traz à lembrança, pelo tal aviãozinho, coisa que já se passou há décadas. Esta, aliás, é uma das graças que NS das Mercês tem reservado para nós em seu buquê ... Grande abraço tb!