Se o dia 1º de junho felicitou São João del-Rei com a criação da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário mais antiga de Minas Gerais, também a segunda mais antiga de todo o Brasil, em 1708, quando a cidade ainda era o Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes, oito anos depois, o dia 2 de junho também deu sua contribuição para a riqueza religiosa e cultural de nossa terra. Naquela data, em 1716, portanto há 296 anos, Dom Francisco de São Jerônimo, bispo do Rio de Janeiro, instituiu canonicamente a Irmandade de São Miguel e Almas da recém-elevada Vila de São João del-Rei.
A Irmandade das Almas, como é popularmente conhecida, é das ordens religiosas mais populares da cidade. Sediada na Matriz do Pilar, em sacristia frontal à principal, ocupada pela Irmandade do Santíssimo Sacramento, tem seu altar em posição de destaque, imediatamente à direita do altar-mor. Além disto, sua importância se evidencia na pintura do teto do vestíbulo que separa as duas sacristias: três almas do Purgatório, em oração, entre altas labaredas, aguardando que o "Príncipe das Milícias Celestes" venha em seu socorro.
A imagem de seu patrono, São Miguel Arcanjo, é considerada um dos mais expressivos exemplares da iconografia do santo anjo guerreiro na imaginária colonial de Minas Gerais. Sem o demônio aos seus pés, representa um ser gracioso, sereno, etéreo e atento na missão de pesar o homem e a mulher que ajelhados oram de mãos postas, cada um em um prato da balança.
A Irmandade das Almas tem na segunda-feira o seu dia votivo e, por isso, é ela que patrocina a missa noturna de todo primeiro dia da semana. Sua data maior é 29 de setembro, quando o santo sai em apressada procissão pelas ruas, largos e becos íngremes e estreitos do centro histórico de São João del-Rei. Sua cor é o verde.
Verde, aliás, também é a cor dos cofres de madeira, que antigamente se via na parede entre portas dos botequins, barbearias, armazéns, açougues, quitandas, bancas do mercado e outras "vendas", onde outrora se comprava de tudo: café, cachaça, carne, açúcar, sal, sal grosso, pão, linguiça, arroz de primeira, de segunda e de terceira, couve, ovos, inhame, taioba, abóbora, fubá, farinha de milho, farinha de mandioca, farinha de trigo, manteiga, guaraná, gordura, caneca esmaltada, corda, bacia, banha, barbante, bule, pinico, papel manilha, alfinete, agulha, arame, cera, sabão, chaleira, vela, linha, fumo de rolo, incenso em grãos, canjiquinha, milho de galinha, milho de canjica, sardinha em lata, apresuntado, anil, neocid, detefon, mel e tudo o que, naquele tempo, se precisava para viver.
Sobre o verde, logo abaixo do cadeado, tinha nos cofres esta inscrição: Esmola p S. Miguel e Almas.
Hoje, se algum destes cofres ainda existe, além dos templos da memória, é em algum estabelecimento que, fiel à alma de seus antigos donos, vem lutando contra o tempo,para dar algum sentido à expressão ora também pouco conhecida, mas sempre muito bonita e simbólica, "bacia das almas".
Um convite: se em uma segunda-feira, por volta das 18h15 você estiver nas imediações do Largo do Carmo, Largo da Cruz, Largo das Mercês, ou Largo do Rosário, apure os ouvidos para o que vem da torre da Matriz do Pilar. O sino que toca suave e compassado, chamando para a Missa das Almas, é um espetáculo sem igual.
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