Pular para o conteúdo principal

Meia-sola, taquinho, "neulate e bichigão" para andar a pé os 300 anos de história de São João del-Rei


O dia 20 de julho não é uma data qualquer no trissecular calendário de São João del-Rei. Ao longo de 300 anos, várias vezes esta data se destaca, com registros que bem mostram indicativos de como era a vida da sociedade colonial que vicejava à sombra da Serra do Lenheiro. Voltemos no tempo, sempre no dia 20 de julho.

No longínquo 1719 - portanto apenas seis anos após o Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes ter sido elevado à Vila de São João del-Rei -, o Senado da Câmara local concedeu a Manoel de Araújo licença para exercer o ofício de sapateiro. Para obter este direito, Manoel apresentou fiador e se comprometeu a pagar tanto os quintos reais quanto os pesados impostos de almotaçaria.

Este fato não teria nada de extraordinário se não tivesse ocorrido em um tempo em que a população das vilas mineiras, majoritariamente, vivia descalça e desse modo, com os pés no chão, comparecia até mesmo, às festas religiosas e a outros eventos sociais. Assim, a existência de alguém dedicado ao ofício de sapateiro, disposto a pagar altos tributos por esta atividade profissional, demonstrava que havia demanda para seus serviços, ou seja, uma razoável camada social que precisava confeccionar e consertar, na própria vila de São João del-Rei, seus calçados.

Cem anos depois, em 1820, a Câmara da Vila encaminhou à "Sua Majestade Real" pedido para construir um cais entre a Ponte da Cadeia e a Ponte do Rosário, um chafariz e uma nova cadeia, já que a existente estava péssima, imunda e sem 'cômodo'. Esta medida evidenciava preocupação dos homens públicos são-joanenses oitocentistas para com a população - infra-estrutura, equipamentos urbanos e saúde pública, bem como para com o respeito, mesmo que rudimentar, à dignidade humana dos presidiários.

Uma das mais belas obras em ferro fundido do barroco brasileiro, o altivo e imponente portão de ferro do Cemitério do Carmo estava em obras quando, no dia 20 de julho de 1835, a Irmandade do Carmo deliberou pagar 800 réis diários ao artista, mestre-de-obra, Jesuíno José Ferreira. Com isto, já no ano seguinte estava concluída e a postos aquela obra de arte que, sem igual no Brasil e no mundo, hoje é orgulho cultural do povo de São João del-Rei.

...........................................................................
FONTE: CINTRA, Sebastião de Oliveira. Efemérides de São João del-Rei. Volume I, 2a edição, revista e aumentada. Imprensa Oficial de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1982.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Debaixo de São João del-Rei, existe uma São João del-Rei subterrânea que ninguém conhece.

Debaixo de São João del-Rei existe uma outra São João del-Rei. Subterrânea, de pedra, cheia de ruas, travessas e becos, abertos por escravos no subsolo são-joanense no século XVIII, ao mesmo tempo em que construíam as igrejas de ouro e as pontes de pedra. A esta cidade ainda ora oculta se chega por 20 betas de grande profundidade, cavadas na rocha terra adentro há certos 300 anos.  Elas se comunicam por meio de longas, estreitas e escuras galerias - veias  e umbigo do ventre mineral de onde se extraíu, durante dois séculos, o metal dourado que valia mais do que o sol. Não se tem notícia de outra cidade de Minas que tenha igual patrimônio debaixo de seu visível patrimônio. Por isto, quando estas betas tiverem sido limpas e tratadas como um bem histórico, darão a São João del-Rei um atrativo turístico que será único, no Brasil e no mundo. Atualmente, uma beta, nas imediações do centro histórico, já pode ser visitada e percorrida. Faltam outras 19, já mapeadas, dependendo da sensi

Em São João del-Rei não se duvida: há 250 anos, Tiradentes bem andou pela Rua da Cachaça...

As ruas do centro histórico de São João del-Rei são tão antigas que muitas delas são citadas em documentos datados das primeiras décadas do século XVIII. Salvo poucas exceções, mantiveram seu traçado original, o que permite compreender como era o centro urbano são-joanense logo que o Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes tornou-se Vila de São João del-Rei. O Largo do Rosário, por exemplo, atual Praça Embaixador Gastão da Cunha, surgiu antes mesmo de 1719, pois naquele ano foi benta a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, nele situada e que originalmente lhe deu nome. Também neste ano já existia o Largo da Câmara, hoje, Praça Francisco Neves, conforme registro da compra de imóveis naquele local, para abrigar a sede da Câmara de São João del-Rei. A Rua Resende Costa, que liga o Largo do Carmo ao Largo da Cruz, antigamente chamava-se Rua São Miguel e, em 1727, tinha lojas legalizadas, funcionando com autorização fornecida pelo Senado da Câmara daquela Vila colonial.  Por

Padre José Maria Xavier, nascido em São João del-Rei, tinha na testa a estrela da música barroca oitocentista

 Certamente, há quase duzentos anos , ninguém ouviu quando um coro de anjos cantou sobre São João del-Rei. Anunciava que, no dia 23 de agosto de 1819, numa esquina da Rua Santo Antônio, nasceria uma criança mulata, trazendo nas linhas das mãos um destino brilhante: ser um dos grandes - senão o maior - músico colonial mineiro do século XIX . Pouco mais de um mês de nascido, no dia 27 de setembro, (consagrado a São Cosme e São Damião) em cerimônia na Matriz do Pilar, o infante foi batizado com o nome  José Maria Xavier . Ainda na infância, o menino mostrou gosto e vocação para música. Primeiro nos estudos de solfejo, com seu tio, Francisco de Paula Miranda, e, em seguida dominando o violino e o clarinete. Da infância para a adolescência, da música para o estudo das linguas, José Maria aprendeu Latim e Francês, complementando os estudos com História, Geografia e Filosofia. Tão consistente era seu conhecimento que necessitou de apenas um ano para cursar Teologia em Mariana . Assim, j