Pular para o conteúdo principal

Carnaval, São João del-Rei. Bloco dos Caveiras é um Baú de Ossos: "Todos somos iguaes!"


Como é comum no carnaval de São João del-Rei, é na Segunda Feira das Almas que o Bloco dos Caveiras sai às ruas. Sombrio, escuro, lúgubre, funesto, segue lento e compassado na cadência de uma marcha fúnebre, que uma banda de metais tortos toca desafinada. Tal qual a vida no seu indesejado compasso final. Apesar de ser o carnaval festa da carne, no Bloco dos Caveiras não há alegria.

Risadas estridentes, sofridas e histéricas ecoam nos alto-falantes roucos. Ninguém canta, não tem confete nem serpentina. Só defuntos, esqueletos,  caveiras desdentadas, túnicas pretas, capuzes, caixões, assombrações, almas do outro mundo, mulas sem cabeça, demônios, decapitados, enforcados, esfaqueados, ensaguentados, eviscerados,  urubus, diabos, sacis, bruxas, abutres,  tumbas e altos estandartes que, com inscrições barrocomedievais, entre enfumaçamentos, proclamam:

         * A riqueza dos túmulos e a pompa dos funerais não melhoram
            em nada as condições dos mortos. Só satisfazem a vaidade dos vivos!

         * Do pó viestes, ao pó retornarás!

         * Já fui o que tu és, tu serás o que eu sou!

         * Todos somos iguaes"
Em meio ao caos carnavalesco, o Bloco dos Caveiras atravessadamente deixa uma mensagem religiosa: a vida é breve - te cuida, vive-a plenamente! Acumula amigos, cultiva-os! Viva o dia de hoje, aprende: onde está teu tesouro, está também teu coração!

Neste enigmático discurso de igualdade, o que o Bloco dos Caveiras ensina aos são-joanenses pode ser simplificado no que assim nos disse o escritor Pedro Nava, na clássica obra Baú de Ossos:

"Conhecidos ou não, adversários, correligionários, amigos, inimigos,
intimos ou sem costumes uns com os outros, somos queijo do mesmo leite.
Milho da mesma espiga. Fubá da mesma saca.

Nascemos nas mesmas casas. Tivemos os mesmos retratos e as mesmas folhinhas
de Mariana nas paredes. As mesmas despensas cheirando ao porco no sal
e à banha, ardida na lata. 

As mesmas cozinhas escuras onde a lenha verde chia, a seca estala
e o fumo enegrece paredes, barrotes, e o picumã, que o sangue estanca."

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Debaixo de São João del-Rei, existe uma São João del-Rei subterrânea que ninguém conhece.

Debaixo de São João del-Rei existe uma outra São João del-Rei. Subterrânea, de pedra, cheia de ruas, travessas e becos, abertos por escravos no subsolo são-joanense no século XVIII, ao mesmo tempo em que construíam as igrejas de ouro e as pontes de pedra. A esta cidade ainda ora oculta se chega por 20 betas de grande profundidade, cavadas na rocha terra adentro há certos 300 anos.  Elas se comunicam por meio de longas, estreitas e escuras galerias - veias  e umbigo do ventre mineral de onde se extraíu, durante dois séculos, o metal dourado que valia mais do que o sol. Não se tem notícia de outra cidade de Minas que tenha igual patrimônio debaixo de seu visível patrimônio. Por isto, quando estas betas tiverem sido limpas e tratadas como um bem histórico, darão a São João del-Rei um atrativo turístico que será único, no Brasil e no mundo. Atualmente, uma beta, nas imediações do centro histórico, já pode ser visitada e percorrida. Faltam outras 19, já mapeadas, dependendo da sensi

Em São João del-Rei não se duvida: há 250 anos, Tiradentes bem andou pela Rua da Cachaça...

As ruas do centro histórico de São João del-Rei são tão antigas que muitas delas são citadas em documentos datados das primeiras décadas do século XVIII. Salvo poucas exceções, mantiveram seu traçado original, o que permite compreender como era o centro urbano são-joanense logo que o Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes tornou-se Vila de São João del-Rei. O Largo do Rosário, por exemplo, atual Praça Embaixador Gastão da Cunha, surgiu antes mesmo de 1719, pois naquele ano foi benta a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, nele situada e que originalmente lhe deu nome. Também neste ano já existia o Largo da Câmara, hoje, Praça Francisco Neves, conforme registro da compra de imóveis naquele local, para abrigar a sede da Câmara de São João del-Rei. A Rua Resende Costa, que liga o Largo do Carmo ao Largo da Cruz, antigamente chamava-se Rua São Miguel e, em 1727, tinha lojas legalizadas, funcionando com autorização fornecida pelo Senado da Câmara daquela Vila colonial.  Por

Padre José Maria Xavier, nascido em São João del-Rei, tinha na testa a estrela da música barroca oitocentista

 Certamente, há quase duzentos anos , ninguém ouviu quando um coro de anjos cantou sobre São João del-Rei. Anunciava que, no dia 23 de agosto de 1819, numa esquina da Rua Santo Antônio, nasceria uma criança mulata, trazendo nas linhas das mãos um destino brilhante: ser um dos grandes - senão o maior - músico colonial mineiro do século XIX . Pouco mais de um mês de nascido, no dia 27 de setembro, (consagrado a São Cosme e São Damião) em cerimônia na Matriz do Pilar, o infante foi batizado com o nome  José Maria Xavier . Ainda na infância, o menino mostrou gosto e vocação para música. Primeiro nos estudos de solfejo, com seu tio, Francisco de Paula Miranda, e, em seguida dominando o violino e o clarinete. Da infância para a adolescência, da música para o estudo das linguas, José Maria aprendeu Latim e Francês, complementando os estudos com História, Geografia e Filosofia. Tão consistente era seu conhecimento que necessitou de apenas um ano para cursar Teologia em Mariana . Assim, j