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No canto da Verônica, a alma de São João del-Rei

Uma mulher misteriosa, vestida de preto da cabeça aos pés, com a cabeça coberta por um véu preto, de luvas pretas, que aparece em São João del-Rei um único dia do ano, às 3 da tarde  e à noite, canta 7 vezes, em locais muito disputados pela multidão, e desaparece por volta da meia-noite, à vista de todos, na escadaria da Matriz do Pilar. Não, não se trata de uma lenda urbana. Pelo contrário, trata-se de uma persona muito conhecida na cidade onde os sinos falam. Uma persona muito digna, admirada e respeitada; uma figura bíblica, que com seu canto faz parar o tempo e transporta os são-joanenses para uma temporalidade sagrada, definitiva e derradeira: o Enterro do Senhor Morto. Isto mesmo: a Verônica, que na Sexta-Feira da Paixão, há mais de 300 anos, pela fé, pelo canto e encanto faz instalar nas ruas e largos do centro histórico de São João del-Rei um outro tempo e um outro espaço. Não há são-joanense que a desconheça, assim como é certo que, durante toda a Quaresma, a maioria anseia po
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A fé viva nos cruzeiros de São João del-Rei

São dezenas, os Cruzeiros da Penitência, ou da Paixão, espalhados pelo centro histórico de São João del-Rei e adjacências. Altos, de madeira, e com elementos que lembram a paixão de Cristo, eles são mais do que meros elementos típicos da arquitetura local. Tambem são mais do que marcos religiosos, pois têm significados, funções e finalidades que perpassam o senso coletivo e chegam ao âmago do universo subjetivo, com suas memórias, crenças, necessidades e tudo o que constitui a visão de mundo individual. Para muitos são-joanenses, os cruzeiros são marcos de fé. Existem para lembrar o sofrimento e a morte de Jesus Cristo, conclamando cotidianamente quem os vê a zelarem por uma vida correta, piedosa e abnegada, a exemplo do que foi a vida de Cristo. Para outros, eles têm poder. Tanto que se benzem fazendo o nome do pai, sempre que passam diante dele, pedindo proteção, não raro várias vezes por dia. Mais do que um símbolo, certamente estes imaginam nos cruzeiros algo da presença divina daq

Cultura dinâmica: Saeta de sinos em São João del-Rei

Além da devoção ardorosa a Nossa Senhora do Pilar, padroeira do mundo hispânico e generosa madrinha de nossa cidade, existem muito mais afinidades entre São João del-Rei e a Espanha do que a gente imagina. E vemos que está a surgir aqui mais uma expressão de eloquente religiosidade, que tudo indica vai se consolidar e daqui a não muito tempo até será entendida como mais uma semelhança entre as procissões dos 'dois mundos'. Sem dúvida, uma das maiores afinidades entre a cultura de São João del-Rei e a das antigas cidades espanholas é a grandiosidade das celebrações da Paixão de Cristo, que, tanto aqui quanto lá, são igualmente monumentais. Enquanto em nossa terra as celebrações envolvem cerimônias que acontecem dentro e fora das igrejas, com missas, ofícios, vias sacras, visitações, adorações, encenações que fazem parte de um teatro sagrado, em Madri, Segóvia, Toledo, Sevilha, Málaga e outras cidades, o destaque são as magníficas procissões, com enormes andores, num vasto e rico

São João del-Rei é assim. Ó pro cê vê!

  Nunca é demais repetir: São João del-Rei não uma cidade óbvia, que se mostra logo à primeira vista. Não. Lugar de encantos inconfidentes, a cidade vai desnudando sua beleza aos poucos, em silêncio, com mistério e sutileza. É assim que São João seduz, enamora e apaixona. Como pode? Às vezes, dobrando a esquina de um beco estreito, você distraidamente levanta os olhos atraído pelo celeste azul turqueza e, de repente, se depara com uma janela sonhadora, guarnecida por uma sacada de ferro retorcido em bordado e renda, de onde pendem franjas exuberantes de cipó São João. Folhas de esmeralda, flores de coral, fascínios de São João. Largo de São Francisco, Largo do Carmo, Largo das Mercês, Largo do Rosário, Rua Direita - territórios mágicos, coroados por igrejas soberanas. Meio a elas - o sol prateando as pedras, o perfume do incenso condensando aéreas nuvens branca -, anjos de todo tipo levitam, cantando hosanas uns aos outros. Sopram notas musicais, confidenciando entre si desejos e sonho

São João del-Rei. A cidade, o povo, a cultura e suas cruzes!

  Sem exagero algum, dificilmente existe, no mundo, uma cidade com tanta cruz monumental por metro quadrado quanto o centro histórico de São João del-Rei e seu entorno. E olha que não estamos considerando os bairros que não fazem parte da área tombada pelos órgãos locais ou federais de patrimônio. Cruzeiros da Paixão ou da Penitência, completos com todos os estigmas, grande crucifixo com imagem de Cristo em tamanho natural, cruzes simples fincadas em pedras ou calçadas, cruzes de pedra ou de ferro encimando pontes, grande cruz em relevos na parede lateral da igreja matriz, cruzes de cantaria sobre as igrejas, capelas-passos e portões dos cemitérios, estes símbolos sagrados somam, no mínimo 45. Uma densidade muito considerável para um perímetro que certamente não totaliza 10 quilômetros quadrados - da capela do Bonfim à do Senhor do Monte, do começo do Tejuco ao início da Rua Capitão Vilarim. De tantas que são, nem todas estas cruzes são percebidas pelos são-joanenses. De tão entranhada

Biblioteca Municipal Baptista Caetano. Jardim literocultural de São João del-Rei

Uma biblioteca é muito mais do que um acervo de livros. Pelo menos aqui em São João del-Rei, na Biblioteca Municipal Baptista Caetano de Almeida, é assim. Um espaço vivo e dinâmico de informação, conhecimento, educação, saber e cultura.  A Biblioteca Municipal são-joanense é um viçoso jardim das palavras e das ideias. Nele brotam férteis sementes literárias, florescem poemas, verdejam contos, amadurecem romances, adormecem cartas, despertam crônicas, discursos, entrevistas, orvalham poesias... Ventam notícias de todos os tempos.  E mais: além de ser um centro de convivência espontânea daqueles que ali vão cotidianamente realizar empréstimos, fazer consultas e leituras, estudar e outras atividades desta natureza, a Biblioteca funciona também como um espaço cultural significativo, pois promove eventos literários, saraus temáticos literomusicais e outras programações para públicos de todas as idades. No dia 9 deste mês, por exemplo, o jardim da Biblioteca foi cenário para o Sarau Literomu

Todo dia é dia de cultura "legítima", genuína e viva de São João del-Rei.

  Em São João del-Rei, vida e cultura são uma coisa só. Formam tão absoluta unidade que é impossível saber onde começa uma e termina outra, já que são juntas que elas fazem o eterno e infinito percurso. A cultura de São João del-Rei brota por si mesma, floresce e renasce como e conforme as estações. Não é uma cultura de eventos e espetáculos, concebida, promovida, apoiada e realizada estrategicamente, com finalidades específicas.  Não. Pelo contrário, a cultura de nossa terra é orgânica, espontânea, genuína e constitutiva do éthos são-joanense. É a cultura do dia a dia, substanciosa como arroz com feijão, saborosa como couve com torresmo, simples como taioba com angu, mingau de fubá, canjiquinha, maneco-com-jaleco, abóbora madura, abobrinha batida...Festiva comida de antigos domingos: arroz branco com tutu enfeitado, lombo de porco e maionese. Doce, como arroz-doce, doce de leite, de figo, de mamão, de sidra ralada ou em calda, de laranja-da-terra, goiabada-cascão com queijo fresco. A

São João del-Rei não é só paisagem urbana. É paisagem humana!

São João del-Rei não é só uma paisagem urbana. Muito mais do que isso, São João del-Rei é uma paisagem humana. Os largos, os becos, as praças, as ruas tem vida, pulsam esperança, respiram gentileza, transpiram sonho, sonham saudades. São João del-Rei é são-joanense. Cidade e gente são uma coisa só, indissociáveis. Tanto que, mais do que em outros lugares, São João possui personagens emblemáticos, sem os quais não se consegue imaginar determinados territórios. O tempo passa, as vidas vão, mas os personagens permanecem na memória de quem os conheceu, impregnados na paisagem da qual faziam parte. Que bom que é assim, pois a memória eterniza. Alguém consegue imaginar o beco atrás da igreja do Rosário sem o Murilo, da bicicletaria? Difícil, não é? Pois é... Em fins do ano passado, bicicletaria fechada, ele andou sumido e fez muita falta. A saúde lhe requisitava cuidados, mas seu lugar estava guardado naquele cantinho antigo, amigo e poético. Seu lugar estava guardado nas procissões, que ele

O dia em que Seu Sete, Rei da Lira, tirou a paz de São João del-Rei

  Desde sempre, São João del-Rei é uma cidade muito religiosa. Prova disto é o número de monumentos católicos que possui. Não apenas as igrejas, capelas e "Passinhos da Paixão de Cristo. No centro histórico e adjascências, uma infinidade de cruzeiros monumentais  e cruzes de pedra, madeira. ou ferro encimam pontes, povoam praças, habitam elevados ou simplesmente demarcam o território da fé.  Olhando rapidamente a paisagem colonial da cidade contamos 13, somente no perímetro compreendido entre o Alto do Bonfim, Senhor dos Montes e Gruta de Nossa Senhora do Rosário,  nas imediaçõoes do parque ferroviário. Mais do que meros monumentos, eles são elementos vivos de proteção e fé, pois muitos são-joanenses de todas as idades, ao passar por eles, a pé, de bicicleta ou de carro, interrompem seus" "pensamentos e palavras, atos e omissões", para fazer o sinal da cruz. Mas esta harmonia religiosa e espiritual foi quebrada na tarde de um certo domingo, 23 de agosto de 1971, qua

Paulinho foi para o céu, espelhar São João del-Rei no firmamento!

  Paulinho foi para o céu / com suas cores e seu pincel / pela flecha de Oxóssi, a espelhar São João del-Rei no firmamento.  Foi para o céu amorosamente lançado naquela flecha de prata que, retirada por empréstimo do peito de São Sebastião, o levou de entre nós, de uma única vez, para o sempre e para o nunca mais. São Sebastião é santo milagroso. Crê-se que nos livra da peste, da fome e da guerra. Mas não conseguiu desviar Paulinho de sua trajetória final rumo às estrelas, ontem, 20 de janeiro, dia que todo ano Lhe é dedicado.  A notícia deixou, em todos que conheceram Paulinho, um sentimento indefinido: finitude, incompletude, pesar, zelo, vazio, ausência, falta... Não que o pintor das delicadezas estivesse sempre à vista, pelas ruas, no vai e vem cotidiano ou em datas festivas. Não. Para quem o conheceu, Paulinho estava exatamente no "não-estar", ele existia na lembrança da gentileza que zelava em todos nós; na mansidão com que nos saudava com sua voz baixa e seu olhar lumi