Sem exagero algum, dificilmente existe, no mundo, uma cidade com tanta cruz monumental por metro quadrado quanto o centro histórico de São João del-Rei e seu entorno. E olha que não estamos considerando os bairros que não fazem parte da área tombada pelos órgãos locais ou federais de patrimônio.
Cruzeiros da Paixão ou da Penitência, completos com todos os estigmas, grande crucifixo com imagem de Cristo em tamanho natural, cruzes simples fincadas em pedras ou calçadas, cruzes de pedra ou de ferro encimando pontes, grande cruz em relevos na parede lateral da igreja matriz, cruzes de cantaria sobre as igrejas, capelas-passos e portões dos cemitérios, estes símbolos sagrados somam, no mínimo 45. Uma densidade muito considerável para um perímetro que certamente não totaliza 10 quilômetros quadrados - da capela do Bonfim à do Senhor do Monte, do começo do Tejuco ao início da Rua Capitão Vilarim.
De tantas que são, nem todas estas cruzes são percebidas pelos são-joanenses. De tão entranhadas que em maioria estão na paisagem urbana, apenas as cruzes mais monumentais, como os sete cruzeiros da Penitência e o grande crucificado da Rua do Barro se impõem aos pedestres, motoristas, motociclistas e ciclistas. Não são raros, inclusive, os que se benzem com o sinal da cruz ao passar diante delas. Ainda não se perguntou porquê, mas o certo é que não se observa ninguém tomar este cuidado, buscando proteção divina, depois que escurece. Por que será?
Também não se tem notícia de nenhuma produção acadêmica, artística ou cultural que tenha se debruçado sobre este elemento tão forte na paisagem urbana e no cotidiano da população são-joanense. Nem no que ele representa e está presente no pensar, no viver, no compreender o mundo e no agir do povo desta nossa terra.
Mais do que um símbolo religioso dogmático e sagrado que remete ao 'sacrifício do Salvador', tudo leva a crer que em São João del-Rei a cruz é vista, à sombra do Lenheiro, como o cruzamento de dois mundos: este, daqui, dos vivos, dos riscos e dos perigos, e o outro, o de lá, do divino, da proteção, e dos mortos. Como um elo a unir três tempos. O antes, o ontem, o que já foi, o imutável, o que sempre foi. O hoje, o aqui, o imediato, o agora, o contínuo já, o instável, o imprevisível, o que por si só é só acaso. E o depois, o que pode vir, o que vai vir, o vir a ser, o que é promessa, desejo e sonho.
A cruz é de tal modo elemento vivo da cultura dos são-joanenses que sua expansão na paisagem de nossa cidade é ininterrupta, pois, somando-se aos cruzeiros setecentistas e oitocentistas, outros, também expressivos e vistosos, foram erigidos inclusive neste início do século 21. E não é de se duvidar que, em breve ou daqui a alguns anos, novos cruzeiros emblematicamente surjam nesta área central da cidade, território guardião e mantenedor do espírito barroco, tanto assegurando terreno cultural e religioso quanto ostentando e fortalecendo a predominância da fé católica.
Barroca é a fé de São João del-Rei!
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Foto e texto: Antonio Emilio da Costa
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