Deste modo, não é algo que pode ser transplantado, repetido nem copiado por outros rincões, tão intrínseca e ontológica que ela é desta terra onde os sinos
falam. Do mesmo modo, não pode ser substituída por alternativas importadas de outros lugares, nem por modelos "de sucesso", criados para locais que possuem outras histórias, outra personalidade, outras necessidades, outras características, outras propostas e outras realidades. Assim como entre os humanos é impossível modificar impressões digitais, no caso de cidades não se pode modificar, por deliberação, impressões culturais.
A cultura, nas terras são-joanenses, é tão comum e cotidiana quanto couve com angu. Arroz com feijão. Tutu com linguiça
e ovo cozido. Goiabada com queijo. Pão com manteiga. Café com leite e broa de fubá. Tão cotidiana
como o Picolé do Seu Amado, Beijo Quente de amendoim ou de coco, amêndoas de procissão, doce roxo de batata doce dos antigos botequins, cigarrete com laranjada do Tatá Frutas, sanduíche Tejucano de pão de queijo com bolinho de feijão. Tão cotidiana, mas tão cotidiana, que nem todos os
são-joanenses - que a vivenciam, desfrutam e consomem no seu dia a dia - percebem que o que eles veem, assistem, participam, colaboram, gostam, apoiam e
reproduzem é cultura. Da mais pura.
Em São João del-Rei, a cultura é muito mineira. Mineira até mais do que Minas Gerais. Tanto assim que ela não se apresenta, ostentosamente, como cultura. Extremamente grandiosa, mesmo quando é singela, ela se acanha e se oculta atrás do manto da timidez e da modéstia. Ela se disfarça, se dissimula com absoluta facilidade e perfeição, entre acontecimentos corriqueiros, porque em nossa terra a cultura, sejamos sinceros, felizmente e graças a Deus, é algo corriqueiro. Cotidiano. Vivo. Apesar de, na maioria das vezes, as manifestações, expressões e tradições serem conduzidas por personas destacadas, que as guardam, sustentam, conservam e mantém obstinadamente, há décadas, quase como se fossem bissecular herança de família e patrimônio pessoal, a cultura em São João del-Rei não tem um dono. É de todos. Cada vez mais desmistifica e despersonifica atores e personagens; consolidando-se democraticamente como um bem público, patrimônio de todos. Felizmente!
Mesmo assim, ainda há quem diga que em São João del-Rei não acontece nada interessante. Que aqui não tem nada diferente para se ver nem fazer. E pensando friamente a gente vê que, de certa forma, estas pessoas estão equivocadamente certas. Aqui, nada do que acontece é feito "para inglês ver". Nada do que acontece tem embalagem de extraordinário, porque tudo o que é bom, belo, encantador, rico, tudo o que acaricia nossos sentidos, encanta nossos olhos, afaga nossos ouvidos, acalenta nossos sonhos, acalma nossa urgência, aplaca nosso medo e beija nossa alma, está o tempo todo perto de nós. Do outro lado da rua, antes mesmo da próxima esquina, sem necessidade de ingresso, convite, crachá, nem credencial. 0800 mesmo.
Não sei se você concorda comigo, mas há um bom tempo já passou da hora de todo são-joanense - eu disse todo! - descobrir que santo de casa faz milagre! E que às vezes faz bem melhor do que os santos de fora ...
.oO0Oo. .oO0Oo. ,oO0Oo.
Texto e foto: Antonio Emilio da Costa
Comentários
Postar um comentário