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São João del-Rei, "verás que o filho teu não foge à luta, nem teme quem te adora, a própria morte..."



"Você sabe de onde eu venho"? - perguntou com poucas notas a Banda do Batalhão de Infantaria de Montanha, tocando o primeiro verso da Canção do Expedicionário, tão conhecida e tão cantada em São João del-Rei. Muito querida do povo são-joanense, esta marcha não pode nunca faltar no repertório de desfiles, marchas, retretas e concertos militares, por seu poder de, pela memória e pela lembrança, chamar de novo à vida nossos jovens soldados que, aqui deixando sonhos e família, atravessaram o oceano para combater e derrotar  na Itália o grande inimigo mundial. O nazi-facismo. Muitos, nesta 2a guerra mundial, deixaram lá a própria vida e outros tantos regressaram ao Brasil, para viver mais 50. 60, 70, 80 anos na terra da qual foram feitos, e nela fechar definitivamente os olhos, à luz de algum último raio de sol.

Isto foi o que se reviveu no Largo do Carmo de São João del-Rei, no fim da tarde azul da quarta-feira, 22 de julho de 2020. Mesmo em tempos de pandemia, vários populares espaçadamente e de máscara compareceram nas imediações da igreja e do cemitério daquela Ordem Terceira, para a despedida do último conterrâneo ex-combatente da Força Expedicionária Brasileira -FEB, o Major Ivan Esteves Alves, de 98 anos. Silêncio, respeito, testemunho e admiração exalavam de toda parte, espelhados nos semblantes contemplativos e nos movimentos curtos, contidos e comedidos de todos que ali estavam.

Abrindo o cortejo, que começou com a proclamação, por um militar em alta voz, do heroísmo são-joanense, mineiro e nacional do Major Ivan, a cruz processional, carregada pelos irmãos do Carmo, vestidos com o hábito tradicional, lembrava a grande contribuição que ele sempre prestou  àquele sodalício. A bandeira nacional sobre o caixão do veterano evocava não apenas seu amor ao Brasil, mas sobretudo seu compromisso humanista contra a ideologia e as ações nazi-facistas, que tantas mortes, tanta perseguição e tantas feridas dolorosas abriram e até hoje são tristemente lembradas como aquilo que a humanidade não deve mais sofrer. 

Tudo muito digno, respeitoso e austeramente patriótico e solene, na medida exata do que aquele enterro representava para o povo são-joanense e significava para o Brasil, ali representado pelos cidadãos e pelo 11o Batalhão de Infantaria de Montanha, tão presente e atuante na vida de São João del-Rei.

No mais, além de denso silêncio, tudo o que se ouviu naquele Largo do Carmo foi a Marcha Fúnebre, a salva de tiros e o toque lamentoso dos sinos da magnífica igreja, se despedindo do sol que se punha e de uma história de vida que se findava com um rastro de luz, gratidão, reconhecimento, exemplo, memória e saudade.


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Texto e foto: Antonio Emilio da Costa




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