Desde os anos setecentos, a Quinta-Feira Santa sempre sensibilizou e mobilizou fortemente a população de São João del-Rei. Principalmente as cerimônias da Última Ceia do Senhor e do Lava-pés, além da visitação às igrejas, que retratam primorosamente e com grande criatividade as cenas bíblicas que contam os milagres, sermões e outras passagens da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. Vem daquela época o costume, ainda hoje muito vivo, de na noite de Quinta-Feira Santa visitar uma a uma as belas igrejas barrocas e capelas do nosso centro histórico. De jogar uma moeda na bandeja de prata quando, tocando a matraca na porta dos templos, os meninos gritam "para a cera do Santo Sepulcro" e de recolher em algum altar e de lá levar para casa galhos ou molhos de arnica e rosmaninho.
Do mesmo modo, todos conhecemos bem a história da escravidão no Brasil. A exploração, a desumanização, os tormentos, as torturas e todas as bestialidades que aturdiam, atormentavam e aterrorizavam os negros escravizados, praticadas pela sociedade colonial. Lamentavelmente ainda hoje persistem em nosso meio muitos comportamentos discriminatórios cruéis e primitivos que são herança daqueles tempos.
- A Quinta-Feira Santa e a escravidão: o que uma coisa tem a ver com a outra? Como São João del-Rei foi palco desta história?
- Calma! É disto que vamos falar a seguir...
Corria o ano de 1719 e, portanto, os territórios de Minas e de São Paulo ainda estavam unidos na unidade geopolítica denominada Capitania de São Paulo e Minas de Ouro.
Indignados com a situação desumana a que eram submetidos, desde que foram sequestrados da África e trazidos para o Brasil, os negros escravizados que penavam em solo mineiro viram, na tradição religiosa da Quinta-Feira Santa, a oportunidade de armar-se e virar o jogo, fundando um reino negro nas montanhas de Minas. Para isso, pretendiam aproveitar a ida de seus senhores e família à visitação, para se apossar das armas que ficaram na casa e, com elas, enfrentar à força seus senhores, fazendo jorrar o sangue que fosse necessário para conseguirem concretizar seu sonho de liberdade. Afinal, no seu dia a dia em terras brasileiras, eles sentiam na pele que viviam em um mundo impiedoso, onde a morte e o sangue eram pataca de pouco valor.
A intenção secreta foi planejada com a antecedência necessária para que pudesse contar com a participação de todos os escravizados. Para espalhar a notícia nas senzalas, os negros viajantes iam comunicando o plano a todos os irmãos de cor que encontravam, para que eles também aderissem ao movimento e seguissem a mesma estratégia. Quinta-Feira Santa de 1719, à noite, quando os senhores saíssem para as funções religiosas daquele dia.
Entretanto, mesmo sendo grande e forte a união em torno desse ideal comum, uma discórdia sobre a etnia do futuro rei e da rainha (deveriam ser sudaneses ou bantos?), transformada em disputa, quebrou a unidade dos líderes, desaguando em uma fatídica delação ao representante da Coroa Portuguesa. Como consequência, o movimento foi cruelmente desbaratado, antes mesmo de ser posto em prática.
Para colocar um ponto final nesta história, seguindo ordem do Conde de Assumar, então governador da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, o tenente João Ferreira Tavares veio à Vila de São João del-Rei e aqui prendeu os candidatos reais bantu e sudanês (Angola e Mina). Além deles, também levou consigo, para julgamento, o séquito dos "cabeças" da corajosa e interrompida rebelião. Como era de se esperar naquela época, alguns foram condenados à morte e outros aos mais penosos e cruéis trabalhos nas galés do Rio de Janeiro.
Você já tinha ouvido falar desse capítulo de nossa antiga história?
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Texto e foto: Antonio Emilio da Costa
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