Completos com todos os estigmas da Paixão de Cristo, ou meramente uma cruz, assentados com adros cercados por gradis de ferro trabalhado ou plantados sobre uma única pedra ou em meio a um conjunto delas, ou, ainda, em fachadas de casas e igrejas, eles estão em toda parte. Por isso, não se tem certeza, mas essa quantidade e a diversidade levam a crer que São João del-Rei deve ser a cidade histórica que mais cruzes tem em sua paisagem urbana central.
Mas além de ocupar espaços físico-geográficos, as cruzes estão de tal modo entranhadas no imaginário e na cultura do povo são-joanense que não é raro observar alguém, ao passar diante de um desses monumentos religiosos, fazer o sinal da cruz e finalizar o gesto levando os dedos da mão direita à própria boca, para o beijo rápido em uma falange do dedo indicador. Com isso, introjetam no próprio organismo a energia positiva obtida com aquele gesto e buscam, entre outras coisas, boa sorte e proteção divina contra todos os males do corpo e do espírito.
Esses cruzeiros têm muitas funções, mas, sem dúvida, ser parada nas célebres Encomendações de Almas e ser o local enfeitado principalmente no Dia de Santa Cruz estão entre as mais importantes. Entretanto eles também servem como estações das vias sacras populares, comumente realizadas durante a Quaresma, e locais onde outrora se acendiam velas. Também serviam como pontos de grande significado e conexão entre mundos para a religiosidade afro-brasileira.
A veneração à Santa Cruz em São João del-Rei, por meio das cruzes e dos cruzeiros, é uma cultura viva no dia a dia, e sempre em expansão. Prova disso é que uma grande cruz de madeira rústica foi erigida há relativamente pouco tempo na antiga Rua do Barro, atual Rua Coronel Tamarindo, quase chegando à Rua Capitão Vilarim. Com ela, tornaram-se menores e quase regulares os espaçamentos entre as cruzes e os cruzeiros da gruta de Nossa Senhora do Rosário. da Rua Padre Faustino e da pedreira do antigo Pau d'Angá, hoje Rua Carvalho de Resende.
Ainda sobre a presença das cruzes na vida cotidiana e na cultura de São João del-Rei, recentemente, andando pela manhã por uma rua do centro histórico, o cumprimento de duas idosas me chamou a atenção . Tanto que sumariamente o reproduzo abaixo, com estas poucas palavras:
- Bom dia. Tudo bem?
- Bom dia. Tudo bem. E você?
- Ah, tudo bem. Cada um carregando a sua cruz...
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Texto e foto: Antonio Emilio da Costa
Muito singela e muito digna esta relação do sao-joanense com a religiosidade, um traço fundante da mineiridade.
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