Jesus sorri, os anjos cantam, a estrela brilha, os sinos dobram, a criança brinca, a luz acende, o carrossel gira, a negra passa roupa com o ferro de brasa, o homem pesca, o jacaré abre a boca, o cachorro late, o passarinho voa, o marceneiro serra madeira, o ferreiro forja o ferro da ferradura que põe no cavalo, a carroça passa, a mulher corre atrás do gato que roubou a carne, o trem faz a curva e atravessa o túnel. A vida passa devagar nessa pequenina cidade qualquer do interior de Minas, no começo do século 20. Que bem podia ser, ou em sonho foi, São João del-Rei, por exemplo.
Pequenina cidade, não, minúscula. Tão diminuta que cabe em um tablado alto, do tamanho de uma mesa grande, com borda de chitão estampado de grandes flores coloridas. Um mundo tão pequeno que só cabe na infância, mas que encantadamente é infinito e dura para sempre na imaginação e na lembrança de adultos e velhos, como um atestado de viva existência.
- Do que estamos falando?
- Ora, do Presépio da Muxinga!
Uma delicadeza singela, genuína, inocente e pura, em um recanto tranquilo, em uma esquina que se acotovela e se ajoelha atrás da Matriz do Pilar. Mais precisamente no começo de uma ladeira que para muitas almas é a subida para o Céu e para todos os corpos é a subida para a descida que vai dar na mais abismal profundeza, no fundo infinito da terra, que é o avesso da memória. O mais absoluto esquecimento.
Bem, é Natal. Então deixemos pra lá essa conversa e vamos a pé ao Presépio da Muxinga, que fica literalmente no meio do caminho entre o Hospital das Mercês e o Cemitério das Almas. São-joanense que nunca foi lá é porque não teve infância. Ou de verdade não é são-joanense. E é por isso mesmo que precisa ir, pois no Natal todo mundo pode virar criança. Acreditar em milagre, colocar sapatinho atrás da porta para Papai Noel deixar o presente. Sorrir, sonhar, amar ao próximo, desejar o que quer ser quando crescer, procurar no céu a Estrela-Guia, acompanhar os pastores, seguir a folia dos Reis Magos, ter medo de Herodes ...
Não daquele rei romano que mandou matar a faca, cortar a cabeça de todos os meninos que nasceram em Belém da Judeia na época do Natal de Cristo, há mais de dois mil anos. Ter medo de outro, que nem se chama Herodes e nem é rei. É um sentimento imposto ou natural, de todo modo incompreensível, que a cada dia mata pouco a pouco nossa esperança e sufoca a criança que existe dentro de nós.
- Vamos ao Presépio da Muxinga, insisto e convido de novo. É preciso acordar nossa criança, que pode ainda estar viva, apenas adormecida. Só ela é capaz de dar asas à nossa imaginação, resgatar em nós a fé nas pessoas e a crença de que o mundo, apesar de tudo, é bom e nele ainda é possível ser feliz!
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Texto & foto - Antonio Emilio da Costa
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