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Em São João del-Rei, no carnaval 2016 o Rei Momo está quase nu. Sem capa, cetro nem coroa!


Se tem uma coisa que são-joanense legítimo não recusa é celebração. Talvez no barroco Livro do Gênesis de São João del-Rei, o sopro de ar e vida que Deus deu sobre o homem deste lugar, além de insuflar os pulmões, tinha halos de espetáculos, de teatralizações, alegorias, encenações, metáforas, símbolos, representações. Por isto a cidade é tão festeira e não perde a oportunidade de mover-se em procissões, cortejos e desfiles, principalmente se forem desfiles de escola de samba, com suas batucadas, foguetórios...

Mas em 2016 não vai ter desfile de escola de samba em São João del-Rei o que, sem dúvida, é um imensurável retrocesso econômico-financeiro-cultural para uma cidade que precisa fortalecer seu destino turístico. Mas, mais do que isto, é uma mordaça e uma punhalada na alegria desta "terra querida e formosa".

Se as instituições, sejam elas quais forem, ou todas elas juntas, não propiciaram ou se dispuseram a promover os desfiles, cabe aos cidadãos são-joanenses cuidar para que a festa, mesmo espontânea e até improvisada, tenha brilho e dignidade. Que os foliões, ao mergulharem no espírito do carnaval, pensem também na civilidade, na cordialidade, no respeito, na brincadeira, na ludicidade, na criatividade e em tudo aquilo que pode tornar especial o Reinado de Momo, em um tempo em que o Rei Momo está quase nu:sem capa, cetro nem coroa.

Carnaval é brincadeira e fantasia. Isto mesmo, tempo de fantasia. Daquelas, que se usava nos bailes de salão de antigamente: ciganas, piratas, índios, colombinas, toureiros, havaianas, mágicos, odaliscas, sultões, anjos irreverentes, baianas, gênios e melindrosas e que, nas últimas décadas, foram padronizadamente substituídas pelo uniforme calção, bermuda, short, camiseta, tênis ou sandália havaiana. Nada mais. Se for só isso, mais cerveja, cachaça, caipirinha, cachaça com mel, capeta, batida, vodka e whisky baratos, os blocos de carnaval se tornam nada mais do que bandos de insanos, falanges de desesperados, facções de alienados e alucinados. E nisto, onde está a graça? Onde está a alegria?

Em duração, o Carnaval de São João del-Rei é generoso. Começa daqui a duas semanas e só termina em fevereiro, na Quarta Feira de Cinzas. Se duvidar, mais de vinte dias. Se for comparar com o que vem depois, é a metade do tempo da Quaresma.

Os foliões têm direito à alegria, mas também a obrigação de fazê-la, materializá-la e zelar por ela, com dedicação, satisfação, orgulho, auto-estima, amor próprio e beleza.

Os cidadãos têm direito à dignidade, ordem, estrutura, respeito, consideração, mas - sobretudo e principalmente - à segurança. Inclusive os foliões, que também são cidadãos.

É certo, está correto: nenhuma instituição pública tem por finalidade, obrigação, meta ou objetivo exclusivos e absolutos promover a alegria e a felicidade do povo.  Mas se elas cumprirem com eficácia suas missões já estarão contribuindo muito para que isto aconteça.

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Texto: Antonio Emilio da Costa
Foto: Gazeta de São João del-Rei - 25/02/2012

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