São João del-Rei, desde sempre, tem intimidade com a morte. Cemitérios colados às casas, os vivos são vizinhos dos mortos. No século XVIII, a Procissão das Cinzas lembrava em cortejo solene e figurado, nas ruas coloniais, a finitude da vida. Desde aquela época, durante a Quaresma, no ciclo da Festa de Bom Jesus dos Passos, Encomendações de Almas, em três consecutivas sextas-feiras, percorrem encruzilhadas, cruzeiros e portões de cemitérios, a chamar os mortos e entregar-lhes músicas e orações.
São João del-Rei, a religião, a morte e as contradições. No Carnaval, uma escola de samba ensaia sua bateria no limite exato que une e separa os mortos e os vivos - o alto portão de ferro do Cemitério do Carmo. Nos desfiles, o Bloco dos Caveiras expõe debochadamente a morte, com a irreverência em estandartes, caixões, defuntos, ossos, fogo, fumaça e figuras tenebrosas. É medonho.
Na Sexta-feira da Paixão, o grande momento é a Procissão do Enterro, também chamada Procissão do Senhor Morto. A cidade também celebra, com consternação e piedade, a morte de Nossa Senhora, no dia 14 de agosto, e de São Francisco de Assis, no dia 4 de outubro.
Com tanto envolvimento com a morte - e até mesmo enlaces - no dia 2 de novembro não poderia ser diferente: nos cemitérios e igrejas barrocas se celebram missas, enquanto durante todo o dia, de tempos em tempos, os sinos tocam dobres fúnebres, no dia a dia executados para anunciar falecimentos, quando o corpo entra na igreja para a missa de corpo presente e na hora em que o caixão desce à cova.
Deste modo, o que melhor define São João del-Rei no dia de finados são estes versos do são-joanense Jota Dângelo:
"Tumbas e ossários
falam daqueles
que não têm mais
o que dizer:
tudo aqui tem
gosto de chão."
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Fonte: DÂNGELO, Jota. São João del-Rei. Spala Editora. Rio de Janeiro, (1986?)
Texto e foto: Antonio Emilio da Costa
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