A Belém da Judeia, que há 84 anos existe em São João del-Rei, na aguda ladeira que os mortos sobem rumo à "sua derradeira morada", não fica em meio ao deserto. Ergue-se à sombra da Serra do Lenheiro, em paisagem absolutamente montanhosa, montanhesa, mineira, são-joanense. É lá que, desde 1929, Jesus, em seu mistério, também nasce.
Na Belém são-joanense, pacificamente, em meio a diminutas ruas e quintais, convivem galinhas, camelos, cavalos, vacas, elefantes, burros, galos, gatos e cachorros. Nela,o ferreiro forja o ferro que faz o serrote que os serradores usam para serrar a madeira que o marceneiro usa em seu trabalho. Nela, tal qual o milagre dos peixes, o pescador tira da água o alimento que o jacaré deseja, mas que vai para a panela da cozinheira, que antes soca temperos para uma boa muqueca, assistida pela negra, que a tudo espana.
Nela, dois galos brigam, dois meninos brincam na gangorra, Papai Noel embala uma criança no balanço, um carrossel roda, uma roda gigante gira, um atleta se exercita, um homem racha lenha para a mulher negra que fuma cachimbo e vai acender o fogo enquanto outra, com um porrete veloz, espanta um gato que assusta o passarinho na gaiola e o cachorro, enfurecido, persegue o bichano que quer roupar carne. Ao redor, testemunhas vigilantes e em ronda, camelos, carneiros, elefantes e muito mais andam em fila indiana, cercando o que não é jogo do bicho.
Na Belém são-joanense, um velho cachorro assiste, enfadado, a tudo isso, e abre a boca. Nesta Belém, os burros concordam com tudo, acenando com as cabeças orelhudas, e alguns patinhos, inocentes, indiferentes e felizes, nadam circulares em volta da sonolenta tartaruga.
Também nesta Belém, um passarinho espanta de seu ninho o patinho feio, orfabandonado e intruso. Quer alimentar, cuidadoso, apenas seus filhotes. Igual a todo lugar, nesta Belém há um homem solitário, sentado em mesa de bar, consigo mesmo, garrafa e copo. O que lhe fere o peito e faz sangrar o coração, lhe molha os olhos, o que ele bebe, e bebendo engole, ninguém sabe. Tal qual na vida, só ele! E a dor...
Mas nem tudo está perdido, pois no Presépio da Muxinga tem sempre esperança; lá o tempo todo é Natal. Pelo menos na igreja que se destaca no universo urbano de invenção e fantasia, criado à imagem e semelhança da vida doméstica na São João del-rei dos começos 1900. Se fora dela a vida pulsa, flui e escorre, em seu interior, assistidos por anjos, reis magos e pastores, Nossa Senhora e São José embalam enternecidos o sorridente Jesus na mangedoura.
Mais mágico tudo fica quando alguém, generosamente ou interessado, joga moeda ou nota no cofre fechado - qualquer valor, tanto faz. Por alguns instantes a luz ambiente se apaga e, durante o breve eclipse, a luz elétrica da cidade imaginada se acende em postes e lampiões. Os sinos da igreja tocam, um anjo incensa e a mangedoura balança.
É o mistério do Natal de lembrança e memória eterna para são-joanenses de todos os tempos. No Presépio da Muxinga,que ainda hoje existe atrás da Matriz do Pilar, na subida para o Cemitério das Almas...
Como surgiu o Presépio da Muxinga?
Ah!, isso é conversa pra outro dia!
Comentários
Postar um comentário