Na São João del-Rei de outrora, os ditados e expressões populares eram poderosos recursos de linguagem na comunicação informal. Nesta terra onde os sinos falam, a língua do povo falava muito estas curiosas, surrealistas e inusitadas expressões, muitas delas com cores e significados locais. Não são raros os são-joanenses, principalmente os mais vividos - para não dizer os mais antigos, ou, ainda, os mais velhos -, que ainda hoje, nas suas conversas cotidianas, usam estas enigmáticas expressões da sabedoria popular para: justificar ou reforçar opiniões pessoais ou de terceiros, transmitir conhecimento, alertar, aconselhar, advertir ou simplesmente colocar uma pitada de humor e tornar mais leve e lúdico um assunto, que muitas vezes é espinhoso, indesejável e indigesto.
Com o tempo, muitos ditados populares foram se tornando menos propagados e, consequentemente, menos conhecidos e pouco transmitidos entre sucessivas gerações. Alguns chegaram muito perto do desaparecimento e hoje são mencionados raramente e com saudade, entre pessoas que os aprenderam ou que conhecem seu significado ou os elementos figurativos, situações reais ou imaginárias e fatos que são utilizados na construção daquela quase descabida mensagem.
Resgatá-los seria uma importante contribuição para enriquecimento ainda maior de nossa cultura popular, bem como - na perspectiva revelada pelo estudo deste linguajar - conhecer valores, princípios, referências de mundo, espaço, tempo e lugar que eram transmitidos pelos ditados e expressões populares na São João del-Rei daqueles tempos.
E por falar nisso, você conhece e sabe o que significam estes curiosos ditados populares? Se você souber de outros, por favor, mande nos comentários deste post que, se pertinentes e adequados a esta proposta, eles serão inseridos neste texto, mencionando que é sua contribuição. Vamos lá?
. Acabou a galinha, acabou o resguardo - dependência condicionante, em geral relacionada a finanças / provimento
. Morreu o afilhado, acabou o cumpradesco - sem interesse em comum não há união ou vínculo
. Como se toca, se dança - ação e reação
. Colocar / enfiar a viola no saco - aceitar a derrota. Reconhecer a insignificância.
. Fé em deus e pé na trava - coragem audaciosa
. Onde quebrou o pote procura a rodilha - solucionar junto à origem da questão
. Onde o galo canta, ele janta - sentidos diversos, em especial a relação direta: esforço / prestígio / poder - recompensa / sustentação
. Onça quando tá com fome come capim - adaptar-se às condições, sujeitar-se ao meio
. Comer couve (com angu) e arrotar lombo - exibicionismo mentiroso
. Debaixo desse angu tem carne - indica suspeita de que há algo não revelado, de que há segunda intenção, verdade incompleta e duvidosa, disfarce de intenção suspeita
. Angu de caroço - coisa ou situação complicada, confusa, embaraçada ou embaraçosa
. (...) feijão no fogo - (aconteceu algo mas) a vida continua! Vamos em frente! Toca o barco!
. Sua alma, sua palma - advertência sobre a auto responsabilização. Você que sabe!
. Rezar a missa melhor do que o vigário - pretensão de fazer melhor do que o realmente capacitado
. Despir um santo para vestir outro - solução paliativa
. Pica o fumo e caça o rumo - ordem firme para ir embora já
. Pica a mula - Dê o fora! Saia logo!
. Pira fora - (saia) fora daqui!
. Fedendo a chifre queimado - sinal de confusão a caminho, prenúncio intuitivo de conflito
. Cada qual com sua luz e sua cruz - individualidade e subjetividade
. Urubu da asa caída - pessoa desanimada, sem força nem presença
. Meia pataca - mediano, medíocre, comum, ordinário
. Arroz-doce sem canela - pessoa sem graça, inexpressiva
. Cheio de rapa-pé - algo ou alguém cerimonioso demais, detalhista / detalhado, prolixo.
. Do chifre furado - pessoa destemida, corajosa, impulsiva
. Do cu riscado - pessoa teimosa, desabusada, destemida, audaciosa
. Macaco que muito pula quer chumbo - advertência para pessoa muito vaidosa, exibida, que se super expõe
. Macaco esperto não põe a mão na cumbuca - pessoa cautelosa, prudente, consequente,
. Cachorro mordido por cobra tem medo de linguiça - apreensão e medo, consequente de lembrança ou semelhança com experiência negativa anterior
. Gato escaldado de água quente tem medo de água fria - mesmo significado do ditado popular anterior
. Gato escaldado - pessoa experiente, sábia pelo que já viveu
. Café no papo, rua sapo - prenúncio da despedida, depois do café, refeição ou lanche
. Colocar sal em carne podre - tentar remediar o irremediável, investir em vão
. Jogar (ou botar) água no fogo (ou na fogueira ou na fervura) - encerrar ali o assunto, e até a conversa / discussão, interromper definitivamente, por um ponto final
. Rasgar a chita - falar a verdade cruamente, e quase sempre de modo rude ou inesperado, quando provocado ou em defesa própria
. Que me importa me lá - indiferença às consequências - não tô nem aí, não quero nem saber
. Quando a cabeça não dá, o corpo é que padece - consequência de atos irracionais, negligentes, inconsequentes, irrefletidos
. Não dá ponto sem nó - não faz nada sem interesse, age sempre com segunda intenção
. Lambendo embira - diz-se de alguém que está na miséria, financeiramente em situação difícil e precária, sem o mínimo recurso
. Quando a esmola é muita (ou grande), o santo logo desconfia - perspicácia para identificar situações suspeitas, recomendação de prudência, cautela
. Trupica e cai, levanta e sai. Morena bonita, cadê seu pai? - dizer lúdico, para humorizar o constrangimento de um tropeço e queda
. Se afumente pra lá - vá resolver isso longe daqui. O mesmo que "onde quebrou o pote procure a rodilha
. Ver com os olhos e pegar com a testa - olhar mas não tocar
. Entornar o caldo - Colocar tudo a perder por atitude intempestiva, em geral grosseiramente
. Azedar o leite - mesmo sentido da expressão popular anterior
. Espalhar as brasas - idem
. Derramar o fubá - idem expressões populares anteriores
. Acender vela para mau defunto - Ação inútil, sem resultado, causa perdida
. Defunto, quando acha alguém que carrega, quer até que balance - explorador da boa vontade e da ingenuidade alheia
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Texto e foto - Antonio Emilio da Costa
Informantes: Carmen Trindade da Costa e Conceição de Assis Santos
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