- São João del-Rei é uma cidade histórica, patrimônio cultural do povo brasileiro, certo?
- Certo.
- São João del-Rei é um museu a céu aberto, certo?
- Não. Mas objetivamente isto não é bom nem ruim. É a realidade da cidade, fruto de sua própria história. E é a história que se escreve a si própria!
- Como assim?
- Nossa cidade se relaciona com seus bens materiais e imateriais a partir da dinâmica que é própria dos tempos atuais. Deste modo, tais bens deixam de ser coisa do passado para se tornar parte de um cotidiano em constante e espiral movimento.
Analisando com objetividade, racionalidade e isenção, vemos que aqui, culturalmente, o passado não ficou congelado no passado, como em uma vitrine onde o tempo não passou. O passado em São João del-Rei não é uma representação, não pode ser descrito como "era uma vez". Ele continua vivo porque é revisitado e revivido, atualizado, como parte da vida dos são-joanenses, que são - eles próprios-, exclusivamente, os agentes e sujeitos da cultura local.
Ninguém duvida que esta é uma questão muito complexa, sobretudo por que é autêntica, explícita, conflituosa e real, como o é a própria vida. Fossem outros os agentes, os sujeitos e os fatores, certamente a história e a realidade são-joanense atual e futura seriam outras. Mas este não é o caso, porque estamos falando de uma cidade aguerridamente nativista, que não entrega a outros seus bens nem seu destino e, quando isto acontece, temos visto, costuma ser desastroso.
São João del-Rei não é - se é que algum dia foi - cenário estático que cabe em uma moldura. O passado não está dissociado do presente, mas é parte dele e, como tal, não pode desvincular-se da dinâmica, das exigências, das imposições e necessidades do tempo em que se vive. A paisagem urbana nos mostra que vem sendo assim há mais de 300 anos.
Tal dinamismo se vê em tudo, e sempre com protagonismo são-joanense. Em 1971, por exemplo, nas comemorações de seus 250 anos, a Matriz do Pilar abriu suas portas para o TUNIS - Teatro Universitário São-Joanense encenar a peça teatral Todomundo. Sem dúvida foi uma iniciativa de grande vanguarda, sobretudo pelo ineditismo de utilização da linguagem teatral moderna, em um espaço sagrado de tamanha importância e significado, para uma prática evangelizadora comemorativa não-convencional.
Do mesmo modo, as encantadoras procissões de São João del-Rei conservam vivas suas tradições tricentenárias adaptando-se às circunstâncias, demandas e recursos tecnológicos disponíveis. Durante a pandemia do Covid, a Festa de Passos, Semana Santa e outras comemorações tradicionais foram realizadas em cerimônias internas e transmitidas pelas mídias sociais. Vencida a pandemia, a iniciativa foi ampliada e mantida a partir de então. Deste modo, são-joanenses com dificuldade de mobilidade, acessibilidade e outras podem assistir, de casa, toda a programação festiva, inclusive o percurso realizado nas ruas. Novenas, tríduos, procissões, missas solenes, ofícios, matinas - praticamente todo dia a algo a ver nas mídias sociais das paróquias da diocese.
O compromisso de preservar a autenticidade funcional dos monumentos sacros em São João del-Rei faculta o uso responsável de recursos que aliam estética, fé e pedagogia evangelizadora, como por exemplo as "fitas falantes" que são colocadas no retábulo do altar-mor da igreja do Rosário dos Pretos, temporariamente, apenas no mês de outubro, ilustrando os mistérios do Rosário de Nossa Senhora. Em uma igreja-museu, esta medida soaria indevida e certamente seria criticada. Porém, em uma igreja que se preserva prioritariamente como templo vivo, na sua finalidade original, religiosa, compreende-se que estes recursos didático-pedagógicos se integram e se harmonizam inovadoramente à linguagem sacra, voltada para o público-alvo e prioritário daquele edifício e espaço, que no caso é o devoto.
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Texto de foto: Antonio Emilio da Costa
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