Pular para o conteúdo principal

Rua das Flores. Caminho de história, do século 18 à eternidade, em São João del-Rei


Como uma veia importante que escorre vida para o coração do centro histórico de São João del-Rei, a Rua das Flores é um caminho de história, que começa no século 18, atravessa o tempo e vai às portas da Eternidade. Subindo da Muxinga ou descendo dos lados do Tejuco, ela é irmã paralela da Rua Santo Antônio e, por estar mais alta um degrau acima, na topografia que um dia se chamou Morro do Pagão, é um mirante esplendoroso para se admirar o Largo e a igreja de São Francisco, apontados pela Rua da Prata, e se extasiar com a majestade da igreja do Carmo - soberana coroa de pedra e beleza sobre os poéticos telhados do Largo da Cruz.

Pontuada por monumentos singulares - como o sobrado da esquina, onde o Presépio da Muxinga fica adormecido de sol a sol e só acorda poucos dias entre o Natal e o Dia de Reis; a imponente casa oitocentista, guarnecida pela guirlanda de flores debruçadas sobre o gradil que delimita o colorido jardim; os portões dos cemitérios da Matriz e do Rosário, onde dormem sonhos, esperanças e memórias; e a capela do Divino Espírito Santo, que é obra conjunta de grandes artistas deste mundo e do outro, não costuma, ainda, ser institucionalmente apresentada aos turistas.

Como trajeto, ela não figura nos roteiros turísticos, apesar de sua potencialidade como pitoresca alternativa de retorno da Rua Santo Antônio para o Largo das Mercês e de ser um ponto privilegiado para se ouvir o toque dos sinos de todas as igrejas de nossa cidade. Dos fúnebres aos festivos. O turismo são-joanense ainda há de descobrí-la e valorizá-la. Atributos e predicados para isso ela tem!

Oficialmente denominada Rua Maestro Batista Lopes, que foi um importante músico e escultor são-joanense do século 19, ainda é popularmente muito conhecida pelo seu nome antigo e cordial. Entre os mais vividos, não há quem não saiba onde é a Rua das Flores, que por sinal um dia foi um importante reduto do carnaval são-joanense dos saudosos Mestre Quati, com seu bloco Recordar e Viver e seus ingênuos bonecões, e do sambista Ginego, da respeitada Escola de Samba Depois Eu Digo, que "será sempre imitada mas nunca será igualada!". Bons tempos aqueles...

Mesmo que não se saiba, não se perceba e nem se propague, e de sua descaracterização, é uma rua genuinamente colonial. As fachadas que sobreviveram daquele tempo são testemunhas de sua idade.  Nela ainda passam o padeiro, à tarde vendendo pão de porta em porta, o queijeiro, o leiteiro com o latão de leite montado em uma moto, jovens, velhos, trabalhadores, homens, mulheres, estudantes, crianças a caminho da escola... Todos se cumprimentam, param no caminho para um dedo de prosa, informam-se sobre acidentes, adoecimentos, tratamentos, falecimentos, sepultamentos. E, principalmente no primeiro horário da manhã, se benzem com o "Nome do Pai" quando passam em frente à capela do Divino Espírito Santo, antes de dobrarem a esquina rumo ao Largo do Rosário ou seguirem para os lados da Muxinga. De proteção, quem não precisa?

Coisas de antigamente. Coisas da Rua das Flores...
................................................................
Texto e foto: Antonio Emilio da Costa

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Debaixo de São João del-Rei, existe uma São João del-Rei subterrânea que ninguém conhece.

Debaixo de São João del-Rei existe uma outra São João del-Rei. Subterrânea, de pedra, cheia de ruas, travessas e becos, abertos por escravos no subsolo são-joanense no século XVIII, ao mesmo tempo em que construíam as igrejas de ouro e as pontes de pedra. A esta cidade ainda ora oculta se chega por 20 betas de grande profundidade, cavadas na rocha terra adentro há certos 300 anos.  Elas se comunicam por meio de longas, estreitas e escuras galerias - veias  e umbigo do ventre mineral de onde se extraíu, durante dois séculos, o metal dourado que valia mais do que o sol. Não se tem notícia de outra cidade de Minas que tenha igual patrimônio debaixo de seu visível patrimônio. Por isto, quando estas betas tiverem sido limpas e tratadas como um bem histórico, darão a São João del-Rei um atrativo turístico que será único, no Brasil e no mundo. Atualmente, uma beta, nas imediações do centro histórico, já pode ser visitada e percorrida. Faltam outras 19, já mapeadas, dependendo da sensi

Em São João del-Rei não se duvida: há 250 anos, Tiradentes bem andou pela Rua da Cachaça...

As ruas do centro histórico de São João del-Rei são tão antigas que muitas delas são citadas em documentos datados das primeiras décadas do século XVIII. Salvo poucas exceções, mantiveram seu traçado original, o que permite compreender como era o centro urbano são-joanense logo que o Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes tornou-se Vila de São João del-Rei. O Largo do Rosário, por exemplo, atual Praça Embaixador Gastão da Cunha, surgiu antes mesmo de 1719, pois naquele ano foi benta a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, nele situada e que originalmente lhe deu nome. Também neste ano já existia o Largo da Câmara, hoje, Praça Francisco Neves, conforme registro da compra de imóveis naquele local, para abrigar a sede da Câmara de São João del-Rei. A Rua Resende Costa, que liga o Largo do Carmo ao Largo da Cruz, antigamente chamava-se Rua São Miguel e, em 1727, tinha lojas legalizadas, funcionando com autorização fornecida pelo Senado da Câmara daquela Vila colonial.  Por

Padre José Maria Xavier, nascido em São João del-Rei, tinha na testa a estrela da música barroca oitocentista

 Certamente, há quase duzentos anos , ninguém ouviu quando um coro de anjos cantou sobre São João del-Rei. Anunciava que, no dia 23 de agosto de 1819, numa esquina da Rua Santo Antônio, nasceria uma criança mulata, trazendo nas linhas das mãos um destino brilhante: ser um dos grandes - senão o maior - músico colonial mineiro do século XIX . Pouco mais de um mês de nascido, no dia 27 de setembro, (consagrado a São Cosme e São Damião) em cerimônia na Matriz do Pilar, o infante foi batizado com o nome  José Maria Xavier . Ainda na infância, o menino mostrou gosto e vocação para música. Primeiro nos estudos de solfejo, com seu tio, Francisco de Paula Miranda, e, em seguida dominando o violino e o clarinete. Da infância para a adolescência, da música para o estudo das linguas, José Maria aprendeu Latim e Francês, complementando os estudos com História, Geografia e Filosofia. Tão consistente era seu conhecimento que necessitou de apenas um ano para cursar Teologia em Mariana . Assim, j