Em 2020, arrancaram páginas importantes no calendário de São João del-Rei. Este é o sentimento que ficou no peito dos são-joanenses, na segunda-feira que sucedeu o Domingo de Páscoa, na "terra onde os sinos falam".
- O quê aconteceu?
- Por causa do isolamento social preventivo ao novo Coronavírus 19, as igrejas ficaram fechadas em grande parte da Quaresma e por toda a Semana Santa. Assim não tiveram procissões nas ruas nem Ofícios de Trevas na Matriz do Pilar, assim como as celebrações internas foram realizadas a portas fechadas, com reduzidíssimo número de pessoas essenciais às funções litúrgicas. Tudo transmitido primorosamente pelo rádio e pelas mídias sociais, porém com orfandade da expectativa, do envolvimento, da memória, do vivenciar e do sentimento.
- Mas e a história do calendário? Por que isso aconteceu?
- Porque que o povo desta São João, surgida nos primeiros anos do século XVIII, ainda conserva vivas muitas referências culturais trazidas de quando o ouro começou a ser catado entre capins, à flor da terra, na Serra do Lenheiro. Uma delas, muito presente, é marcar a passagem do tempo pelo transcorrer das grandes festas religiosas, principalmente o dia de São Sebastião, a Quaresma, com as vias sacras e a Festa de Passos, a Semana Santa, a festa de Nossa Senhora do Carmo, da Boa Morte, das Mercês, do Rosário, do Pilar, de Nossa Senhora da Conceição e, por fim, o Natal.
Contam que antigamente, a essas datas, se juntavam outras, que às vezes compreendiam o mês inteiro. Mês de Maria, Mês do Coração de Jesus, por exemplo...
Mesmo com seu inquestionável sentido religioso, ainda hoje as festas católicas realizadas nas igrejas, largos, praças e ruas do centro histórico de São João del-Rei são verdadeiros festivais, em que se dá glória a Deus por meio da beleza, do encantamento e de tudo o que aguça, contempla e premia os cinco sentidos. Igrejas primorosamente iluminadas, enfeitadas e perfumadas de incenso, rosmaninho e manjericão. Andores floridos de rosas, cravos, hortências e outras delicadezas. O dobrar e o repicar alegre ou pungente dos sinos, o som envolvente da música sacra e o estalar veloz e seco das matracas. - Para a cera do Santo Sepulcro! Tá-tá-tá-tá-tá!
O sabor vindo da lembrança e da saudade, do sempre e do longe, disfarçado nas amêndoas de açúcar, amendoim e coco, na pipoca, no algodão doce, no quebra-queixo, pirulito de mel e em outras delícias inocentes. Tudo com gosto de infância e de juventude.
Cores corajosas inrompendo de toda parte. Vermelhos vivos ou repisados, amarelos-ouro, roxos de verdade, verdes que não amadurecem, brancos, azuis, pretos, todos de todos os tons. Nas flores, nos paramentos e alfaias, nas opas das irmandades e hábitos das confrarias, nos tapetes de areia e serragem, nas roupas de seda, de renda, veludo e brocado das imagens de roca e das pessoas. Aliás, a bem da verdade, nestas ocasiões, também se vai a "estas festas" para ver e para ser visto. Sendo assim, para muita gente, roupa nova, sapato vistoso e um bom e denso perfume elevam a autoestima e por isso sempre caem muito bem...
Mais do que as estações do ano, a religiosidade marca o passar do tempo em São João del-Rei. Assim como o grande relógio holandês da Matriz do Pilar, com seus sinos marcando horas cheias e meias, e também quartos de hora, as festas religiosas são o relógio afetivo e emocional desta terra, mui "querida e formosa". Coisa que a tecnologia, com seu onipotente poder, ainda não consegue ser nem fazer...
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Foto e texto: Antonio Emilio da Costa
Aprendi a repicar os sinos no mês de Maio e Junho, hoje já mudou, esse ano parece que faltou algo... Tem um vazio...
ResponderExcluirAprendi a repicar os sinos no mês de Maio e Junho, hoje já mudou, esse ano parece que faltou algo... Tem um vazio...
ResponderExcluirVerdade, Hamilton. Acredito que, por mais que se busque alcançar a repetição / reprodução fiel dos toques, isso é muito difícil, se não impossível, considerando que existe certa e involuntária subjetividade no tocar, sobretudo em relação a medida do tempo, duração, força, ritmo intensidade e outros elementos. Além disso, que para alguns chega a ser uma alteração, este ano o mundo vive uma realidade atípica, que é a pandemia e nos traz essa sensação de impotência e vazio.
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