Gira o mundo, passa o tempo, renovam-se ideais, valores e desejos, vão-se costumes, fama, pessoas e nomes, apaga-se promessas, abandona-se juras... Acontece tudo, mas aqui tem coisas que não mudam: a fé do povo de São João del-Rei e o modo como os são-joanenses se relacionam com o que é sagrado. A intimidade de, ainda vivos, transitarem pelos territórios celestes a conversar com os santos, os recursos e expedientes que criaram e sustentam para fazer seus pedidos, empenhar votos, expressar confiança, agradecer intercessões e graças, atravessar séculos e esperar a vida eterna. É isso o que os são-joanenses fazem, com suas incontáveis e quase cotidianas procissões.
É isso o que vai ser feito no próximo domingo - o primeiro do mês de agosto - no alto do Bonfim.
A festa já começou há mais de uma semana, com novenas e procissões, mas seu ponto máximo será no anoitecer daquele dia, quando o sino, na torre pequenina, dobrará veloz e alegre e foguetes e fogos de artifício lançarão para o céu estrondos e muitas estrelas coloridas. De todos os cantos de São Joao del-Rei se saberá que o Senhor do Bonfim vai percorrer as ruas e becos de sua colina, saudando seus vizinhos e recebendo vivas, chuvas de pétalas e de papel picado. Tapetes de areia colorida e serragem no chão, toalhas de renda, flores, imagens, retratos e velas deixarão as janelas tão bonitas quão altares. Afinal, não é todo dia que o padroeiro sai às ruas e passa em frente às casas.
A banda vai tocar dobrados de louvor, crianças vestidas de anjos vão sorrir, mulheres e homens, enfileirados, vão cantar hinos religiosos, rezar o terço, acenar discretos para conhecidos, transbordar o coração de paz, alegria, esperança e felicidade.
Findo o percurso, Senhor do Bonfim voltará satisfeito para sua pequenina capela, que em 2019 está completando 250 anos. Mesmo sangrando, coroado de espinhos e pregado no madeiro, o crucificado exulta do amor que recebe e, por gratidão, multiplica e redistribui aos devotos que ali estão e o visitam na missa de toda semana.
O padre dará a bênção do Santissimo Sacramento que, contritos e ajoelhados, todos receberão. De costas, para melhor olhar a multidão, Senhor do Bonfim vai se indo para trás, lentamente, até adentrar a igreja. Ficará em seu rastro de festa a alegria do corpo e da alma, que o povo cultivará e comungará na doçura da canjica e da cocada, no sabor do pastel e dos caldos, na fraternidade dos acenos e dos abraços, na boa sorte do amor e das rifas...
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Texto e foto: Antonio Emilio da Costa
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