Quem passeia por São João del-Rei, e não apenas pelo centro histórico, vê inúmeras cruzes espalhadas pela cidade, sejam os monumentais e bicentenários cruzeiros da Penitência, sejam as grandes cruzes de madeira ou ferro fincadas na pedra ou plantadas nos jardins ou sejam, ainda, as pequenas cruzes penduradas nas portas de muitas casas. Todas elas ganham muitas flores e muitas cores no dia 03 de maio - Dia de Santa Cruz.
Antigamente a tradição de ter cruzes na porta de casa e enfeitá-las com flores naturais, flores de papel crepom ou mesmo apenas com papel de seda colorido repicado para marcar a passagem do terceiro dia de maio era mais viva e se fazia presente do Bonfim ao Senhor dos Montes, do Tejuco a Matosinhos, mas hoje ela está mais esparsa. Perdemos a graça de ritualizar os dias para marcar de felicidade a passagem do tempo, assim como estamos desaprendendo a colorir o mundo em que vivemos e, por isso, não ensinamos mais este segredo às novas gerações.
Mas nos últimos tempos, um sinal de delicadeza e afeto tem chamado a atenção de quem passa pela Rua da Prata e se detém por alguns segundos em frente ao sobradão onde funcionou o Mosteiro São José. Mais exatamente diante da porta que foi da capela do Santíssimo Sacramento. Ali, há alguns meses, alguém deposita anonimamente, a horas que ninguém vê, um buquezinho de flores miúdas, dias vermelhas, dias rosadas, dias brancas, dias misturadas.
Acima das fechaduras, entre tranca, corrente e cadeado, as flores são um agrado ao Coração de Jesus, que não está mais lá para ser adorado, pois com a saída das freiras irmãs, agora recebe a todos ternamente, entre anjos adoradores, na capela dourada da Matriz do Pilar.
É mais bonito, mais solene, e tão disponível quanto antes. Porém era tão mais íntimo, tão mais despojado, tão mais humano encontrar Jesus no meio do caminho e, mesmo apressadamente e sem cerimônias, tomar-lhe a bênção, trocar com ele duas Ave-Marias, pedir-lhe um conselho, um conforto, um perdão, um sorriso, uma luz...
As irmãs enclausuradas se foram. O belo sobrado, de portas e sacadas azuis está vazio, silencioso e fechado. Já não se ouve mais cânticos nem orações de adoração. Mas alguém insiste e adora anonimamente, colocando a horas secretas um buquezinho de flores - dias vermelhas, dias rosadas, dias brancas, dias misturadas - no cadeado dourado da corrente prateada, que fecha a tranca da marca "Aliança".
Sela, assim, em São João del-Rei, a aliança que existe entre o homem e Deus. Independentemente de que seja, ou não, 03 de maio, Dia de Santa Cruz!
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Foto e texto: Antonio Emilio da Costa
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