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Todo dia é dia de cultura "legítima", genuína e viva de São João del-Rei.

 

Em São João del-Rei, vida e cultura são uma coisa só. Formam tão absoluta unidade que é impossível saber onde começa uma e termina outra, já que são juntas que elas fazem o eterno e infinito percurso. A cultura de São João del-Rei brota por si mesma, floresce e renasce como e conforme as estações. Não é uma cultura de eventos e espetáculos, concebida, promovida, apoiada e realizada estrategicamente, com finalidades específicas. 

Não. Pelo contrário, a cultura de nossa terra é orgânica, espontânea, genuína e constitutiva do éthos são-joanense. É a cultura do dia a dia, substanciosa como arroz com feijão, saborosa como couve com torresmo, simples como taioba com angu, mingau de fubá, canjiquinha, maneco-com-jaleco, abóbora madura, abobrinha batida...Festiva comida de antigos domingos: arroz branco com tutu enfeitado, lombo de porco e maionese. Doce, como arroz-doce, doce de leite, de figo, de mamão, de sidra ralada ou em calda, de laranja-da-terra, goiabada-cascão com queijo fresco. A cultura de nossa São João é caseira, legítima, como aqui se diz enfaticamente para tudo o que é de verdade!

Para viver a verdadeira cultura de São João del-Rei não é preciso ingresso, convite, reserva nem passaporte, Afinal, ela é ao mesmo tempo pública, privada e particular, individual e coletiva. Acontece dentro das casas, nas ruas, nas encruzilhadas, nos largos, nas igrejas, nas praças, nos cruzeiros, nos portões dos cemitérios, enfim, em toda parte onde ela tenha uma função. Isto mesmo, a cultura de São João del-Rei tem função original.

Uma antiga tradição  religiosa de nossa região é, no dia 3 de maio, colocar na porta principal da casa uma cruz de madeira enfeitada com flores. Outrora, era com flores naturais, colhidas no próprio quintal, ou com papel de seda repicado. Mais recentemente, noutros lugares turísticos, esta prática religiosa trocou seu sentido verdadeiro por um outro, turístico-cultural. Transformou-se, de símbolo de fé em elemento decorativo - "estilo de época". Proliferou-se infinitamente, como uma alegoria.

Em São João del-Rei, isto não aconteceu. As casas residenciais, não muitas, que ostentam a cruz enfeitada realmente têm, naquele objeto, um sinal de fé. Tal qual acontece nos vários cruzeiros que existem nas praças e outros locais públicos da cidade, espontaneamente enfeitados na véspera do dia 3 de maio, por algum morador local, ou mesmo pela comunidade daquela região. Bom  exemplo é esta cruz da foto, centenariamente situada nas imediações do antigo Pau d´angá / Rua do Barro, mais precisamente na esquina da Rua Padre Faustino com a Rua Carvalho de Resende. Antiga região de mineração, acesso para as várias e vizinhas betas de ouro nos quintais da Bica da Prata.

A cultura é vida, vivida no dia a dia, de quem enfeita religiosamente a grande cruz e de quem, ao passar por ela todo dia, se benze, quantas vezes passar ali, fazendo o "nome do Pai". Pedido de proteção para ir e agradecimento pela graça de voltar. Em São João del-Rei, a cultura viva é sagrada bênção!

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Texto e foto: Antonio Emilio da Costa


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