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O dia em que Seu Sete, Rei da Lira, tirou a paz de São João del-Rei

 



Desde sempre, São João del-Rei é uma cidade muito religiosa. Prova disto é o número de monumentos católicos que possui. Não apenas as igrejas, capelas e "Passinhos da Paixão de Cristo. No centro histórico e adjascências, uma infinidade de cruzeiros monumentais  e cruzes de pedra, madeira. ou ferro encimam pontes, povoam praças, habitam elevados ou simplesmente demarcam o território da fé. 

Olhando rapidamente a paisagem colonial da cidade contamos 13, somente no perímetro compreendido entre o Alto do Bonfim, Senhor dos Montes e Gruta de Nossa Senhora do Rosário,  nas imediaçõoes do parque ferroviário. Mais do que meros monumentos, eles são elementos vivos de proteção e fé, pois muitos são-joanenses de todas as idades, ao passar por eles, a pé, de bicicleta ou de carro, interrompem seus" "pensamentos e palavras, atos e omissões", para fazer o sinal da cruz.

Mas esta harmonia religiosa e espiritual foi quebrada na tarde de um certo domingo, 23 de agosto de 1971, quando muitas pessoas assistiam televisão. Isto porque de repente, sem que ninguém esperasse, misteriosamente uma entidade estranha e desconhecida, incorporada em uma mulher vestida a caráter, com capa vermelha e preta e cartola na cabeça, invadiu a tela da TV Tupi, interrompendo as atrações do programa Flávio Cavalcanti. "Um instante, maestro!"

Naquela época, a televisão era artigo de luxo, que a gente não encontrava em qualquer lar. Apenas nos mais abastados. Por isso, costumava reunir vizinhos na casa de quem tinha a telinha, e também transeuntes diante das vitrines da loja Primavera Móveis e em frente ao totem televisivo, instalado no jardim da antiga Avenida Rui Barbosa, hoje Tancredo Neves, de frente para o então busto de Tiradentes.

A perturbação foi geral, e as pessoas se assustaram mais ainda quando a mulher, entre baforadas de charuto, declarou que ela não era ela. Ela era "Seu Sete, Rei da Lira", e sua missão aqui na terra era combater o mal, semear o bem e espalhar mensagens de esperança e paz. Imagina o pavor e o rebuliço!

Sem entender bulhufas do que estava acontecendo, ninguém acreditou em nada do que o misterioso visitante televisivo do outro mundo falou. Até porque Lira, em São João del-Rei, é a Lira Sanjoanense. E  a mais antiga orquestra das Américas ainda atuante não tem rei, mas um simpático maestro, sempre muito querido e respeitado.

Depois dessa, as pessoas foram voltando para casa, com a pulga atrás da orelha. Algumas até, mesmo sem demonstrar, rezando de boca fechada o Creio em Deus Padre. Vai que, ao abrirem a porta, encontrem Seu Sete esperando por elas, sentado e de pernas cruzadas, fumando charuto na sala de visitas...

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Texto e foto: Antonio Emilio da Costa

Este fato é verdadeiro, e aconteceu desse jeito em São João del-Rei. Em âmbito nacional, o assunto virou notícia no jornal A Província do Pará, edição do dia 27/08/1971.

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